Espectro Eletromagnético ocupado: Rádios Livres e uma geografia da comunicação no contexto da globalização

#111

André de Souza Fedel
Almir Nabozny, Kauê Avanzi

Frequentemente é noticiado o fato de entidades do Estado e corporações transnacionais estarem coletando dados da população, sendo eles desde números de registros básicos à conteúdos de valor extremamente privados. Este já não é um assunto totalmente fora da esfera de conhecimento geral. Todavia, quando essas atividades de retenção de dados são aliadas ao direito da liberdade de expressão, pode-se no mínimo achar um tanto confuso e mal intencionado. Assim, compreendemos o papel claro dos meios de comunicação em avançar o projeto de globalização do capital em uma de suas facetas que é a vigilância dos desejos humanos, de perpetuação de escalas geográficas tradicionalmente conhecidas, como por exemplo a escala da cidade, da região, da nação, e de impossibilitar sujeitos e grupos historicamente marginalizados de expressarem sua voz em relação a algo.
A pesquisa a seguir é resultado de um estudo de caso em andamento dos autores, aliado a uma série de reflexões sobre a constituição de um espaço para a comunicação livre dentro do fenômeno da globalização do capital. Este estudo não é um fim em si mesmo, muito pelo contrário, é um maneira de socializar os anseios e caminhos e também uma proposta de investigação na temática da comunicação com uma abordagem geográfica.
Fundados em métodos participativos da pesquisa-ação, em que procuramos incentivar o desenvolvimento autônomo, levando em conta suas aspirações e potencialidades de conhecer e agir (Borda, 1981), o trabalho em tela constitui-se de quatro questões condutoras que delinearemos nossas reflexões teóricas e estudos de campo, são elas: a constituição de movimentos sociais de (re)apropriação da comunicação; as respectivas relações na construção social da escala geográfica; o fenômeno da globalização e por fim as experiências de apropriação do espectro eletromagnético.
A partir da compreensão dos meios de comunicação como uma técnica e suas relações com o território (Santos, 1994, 2006) e a formação e expansão das cidades, as redes comunicacionais tiveram o papel de levar informação e entretenimento aos domicílios, algo antes impensado. O poder dos meios de comunicação em se apropriar de representações de espaço em escalas pequenas e realizar ações que visualizem essa representação em grandes escalas (Serpa, 2011), associa-se com o que Nunes (1995) aponta que esta conformação de redes reforça um movimento de integração do território nacional, evidenciando o aspecto de concentração da produção de conteúdo midiático.
Neste panorama - da modernização técnica centralizadora, da mediação cultural desenvolvimentista e uma regulação política empreendida por monopólios e oligopólios hereditários e pelo Estado brasileiro - paralelamente, se inserem as iniciativas de apropriação “não autorizadas” do rádio por indivíduos, grupos e movimentos sociais, as rádios livres (Machado, 1987; Nunes, 1995; Andriotti, 2004; Gonçalves, 2012). Segundo Nunes (1995), o movimento das rádios livres possuiu três momentos históricos.
As rádios livres, compreendidas, no senso comum, como rádios piratas ou ilegais, como também confundidas com as rádios comunitárias diferenciam-se radicalmente por não adequarem-se nas formas que a legislação do Estado-nação rege os meios de comunicação, em específico ao espectro eletromagnético. Elas se apoiam majoritariamente em Pactos Internacionais (Pacto de San Jose da Costa Rica) e na Declaração Universal dos Direitos Humanos. Inspiradas em movimentos europeus da Itália e na França, e no continente latino-americano as experiências das rádios clandestinas dos mineiros na Bolívia e da rádio Revolução de Cuba (Machado, 1987) possuiu em suas primeiras décadas (80-90) objetivos de ampliar a comunicação democrática, com intuito de dissipar o controle comercial que essa mídia é organizada no país (Costa, 2013).
Segundo Milton Santos (2006), Os espaços podem ser requalificados e ressignificados e atendem sobretudo aos interesses dos atores hegemônicos da economia, da cultura mundializada e da política. O meio técnico-científico-informacional é a cara geográfica da globalização, o qual tende a ser universal.
Nesse contexto da globalização, de aceleração das atividades, disseminação de conteúdos e uma velocidade extremamente aumentada a “geografia parece estar acabando” ou o espaço esta sendo dizimado pelo tempo, diria alguns pensadores. Nosso intuito é demonstrar como atualmente o espaço é estrategicamente importante para esse fenômeno dar seu seguimento e como existem iniciativas que o espaço é pensado taticamente, frente as estratégias do Estado e das organizações supranacionais.
A Rádio Gralha, uma rádio livre, localizada na cidade de Curitiba-PR, é nosso objeto de estudo. Como resultados preliminares, pode-se dizer que a Rádio é composta de mais de 20 programas semanais com uma variedade grande de temáticas abordadas, ela se inscreve na cidade como ponto de convergência de diversos setores de movimentos sociais e retroalimentando uma comunicação interpessoal extremamente importante para a oxigenação nas relações sociais dentro das territorialidades marginais da cidade. Porém, por ser uma rádio “não autorizada” ela também se encontra em um contexto de fragilidades a respeito de sua existência, evidenciando a dificuldade de se construir um projeto de comunicação livre. Fragilidades em torno de sua existência material e social que percorrem desde sua constituição enquanto coletivo, até sua relativa função na superação da vulnerabilidade econômica dos agentes que constituem-na.
Assim também a importância de debater este caso é justamente compreender as geografias deste movimento na cidade. A produção e a transformação de espaços, passa também por comunicar as ações que existem sobre eles e que de maneira ou de outra articulam a produção de expressões de uma necessidade social crescente por espaços abertos ao diálogo, à livre troca de informação e produção cultural, à superação da vulnerabilidade econômica e à livre associação e, sobretudo, a busca de soluções para o processo de estrangulamento das relações humanas, substituídas a cada dia pela impessoalidade das relações de troca intermediadas pelo capital.
Podendo ser compreendida como movimentos de bases comunitárias simultaneamente alicerçado a movimentos transversais (outros temas associados) e com uma distribuição diferenciada da técnica, as rádios livres proporcionam múltiplas trajetórias espaciais para que estes integrantes - os programadores e programadoras - encontrem solo fértil para diálogos e atividades intensas de suas afinidades políticas e sociais, compondo lugares de enunciação da cidade. Cidade(s) invisível(eis) que são por eles produzidas em suas falas e suas ações. Esses lugares favorecem uma produção social de outra escala geográfica, pois tratam de temas marginalizados e de áreas da cidade invisíveis, utilizando uma linguagem própria para expressarem suas liberdades.

Palavras-chave: escala, globalização, movimentos sociais, rádios livres.