Redes, Coletivos e Tecnologias de Monitoramento: novas dinâmicas do coletivo e novas formas de controle na era das redes

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ADRIANA PESSÔA DA CUNHA

A proposta do trabalho é discutir o tema das redes, TIC`s e Tecnologias de Monitoramento como campos de ação entre tecnologia e sociedade. As hipóteses que são tratadas discutem a possibilidade de construção de narrativas e ativação de modos de inserção e engendramentos culturais, políticos e sociais por meio das TIC, sobretudo redes, disseminados por uma dinâmica de novos atores e novos discursos. Também é colocado em questão os riscos e as faces obscuras da comunicação e da liberdade, também coletivizada nas redes, pondo em funcionamento modos de captura e medo. Através de tecnologias de monitoramento são ativados, a todo tempo e instante, disputas por espaços para expandir fobias e estados emocionais dos mais diferentes matizes, porém transvertidos ora como formas de liberdade ora como formas de vigilância. O contraponto, seria a possibilidade através das redes de desvios, resistências e rupturas, já que trazem outro tipo de fala e de inserção social nos dando pistas de um novo protagonismo social e uma nova dinâmica do coletivo.
A emergência das redes e das redes sociais parece indicar um conceito de coletivo cuja dinâmica libertária e comunitária traz à tona um paradigma novo de inserção social e de novas narrativas de engajamento, como também reflete conflitos sobre a manipulação dessas “liberdades” disputadas tanto no plano virtual quanto no mundo real. Essas fábricas de tecnologia que monitoram conversas, gestos, conteúdos, símbolos e prazeres traz a discussão de como os indivíduos e esses coletivos que estão sendo produzidos são ativados e insuflados numa lógica que faz bifurcar novos modos de existência e uma concepção de coletivo resignificada. Novas formas de controle e medo também são insufladas através do monitoramento e da captura produzida em redes de relacionamento, no tempo de trabalho imaterial e nos espaços, tanto físicos como virtuais. Essa mercantilização da vida supervaloriza identidades egoicas, construídas em torno de “perfis” e em formas de identidade autocentradas. Nessa mercantilização da vida virtual são oferecidas a todo tempo uma atmosfera dicotômica, ora como sentido de unidade com base na noção de indivíduo com sua história cotidiana e suas dores individuais, ora como sentido de totalidade, com base também na noção de indivíduo só que coletivizado nas redes sociais.
Assim, a narrativa própria das redes e das tecnologias de monitoramento faz com que o indivíduo se veja presente em extremos ora de grupo-espaço ora de individualização-totalização. Através da construção de imagens e falas vai se revelando um indivíduo com sua história particular e um indivíduo coletivizado na rede, revelado com sua história grupal, com seu “público”, seus “fãs”, suas “comunidades” e suas “curtidas” em páginas virtuais. Essas narrativas se digladiam o tempo todo e em todo instante com as várias instâncias do “eu” que vão sendo aos poucos produzidas e reveladas. Ora coletivizado ora individualizado esse indivíduo não dá conta de si. Na narrativa do seu “eu” é posto em funcionamento a unidade e a totalidade como qualidades próprias da pessoa e como sendo a única forma de existência possível. Essas formas dicotômicas de pensar e sentir, cada vez mais frequente em nosso quotidiano, faz nascer uma concepção de indivíduo centrado em si mesmo e que não dá conta de si, ora porque se coletivizou demais nas redes sociais ora porque, na intimidade de suas várias instâncias de “eus” se vê solitário e perdido em um emaranhado de enunciados, afetos, gestos e gostos.
Estaríamos diante de novas formas eficazes de disciplinamento de corpos? Corpos que se manipulam, que se modelam e se tornam hábil sob uma forma midiática de mercantilização da vida, dos afetos, gostos, gestos, conhecimentos e quereres? Através de discursos que vão tomando corpo na vida das pessoas, insuflando-as, incitando o medo e a dúvida são postos a atuar falas como “segurança e confiabilidade da informação”, “ambiente seguro”, “sorria: você está sendo filmado”, “com apenas um toque”, “mantenha-me conectado”. Nessa concepção de realidade é posto a atuar uma narrativa de intervenção concreta na vida das pessoas, produtora de insegurança e isolamento, sutilmente transvertidos como formas de liberdade e segurança.
O Contraponto: Os Discursos Livres nas Redes e Formas de Ativismo Político
O contraponto, seria a possibilidade de desvios e rupturas irradiada pelas redes que trazem outro tipo de narrativa e de novas relações de troca e de uso. Nesse aspecto, se entrelaçam fatos, idéias, acontecimentos, intervenções e possibilidades de criação num campo mais extenso dos significados e dos acontecimentos. Desdobramentos dessa relação se dão, por exemplo, na perda do domínio da informação e na reprodução de imagens e sons pelas grandes indústrias de comunicação. O alcance das narrativas em rede se dá em outros paradigmas de relação com o tempo, com o espaço, e com o outro, onde a desmaterialização e a desterritorialização das falas produzidas hegemonicamente por indústrias de fazer notícia são agenciadas por outras narrativas e por outros regimes discursivos, próprios de uma dinâmica libertária e cooperativa. A informação in natura produzida nas redes e redes sociais, disponibilizada de forma desinteressada ao vivo e a cores imprime outro referencial de relação com o outro, com o tempo, com o espaço e com o coletivo, inaugurando verdadeiros campos de intervenção e de ação. Colocando em movimento e em ação novas formas de sociabilidade e novos arranjos sociais, transformando o existente e dialogando em outra lógica de relação.
Dessa forma, essas redes coletivas têm se irradiado progressivamente fazendo emergir novas formas de singularização e de engajamento social e político bem como se impondo como poderosa máquina de criação de regimes discursivos revelando verdadeiras redes de produção de sentido e de significado.
Um exemplo, bem atual é o que aconteceu nos movimentos sociais em junho de 2013 no Brasil onde através das redes sociais movimentos como “das redes às ruas”, “saímos do facebook” e “nós somos a rede social”, a mobilização nas redes sociais provocou verdadeiros dispositivos de poder e de mobilização entre as redes e os coletivos sociais. O aumento de 20 centavos no transporte público no Rio de Janeiro serviu de estopim para manifestações e protestos como expressão da sociedade. Essa linguagem criou uma forma integrada de narrativas e de regimes discursivos que articula o local e o global e interroga as formas de funcionamento de instituições e as formas clássicas de produção de linguagens, imagens, sonoridades e acontecimentos. Dessa forma, a informação não monopolizada e exclusivista circula livre, múltipla, exógena, transversal e cooperativa, instituindo novas formas de uso e indicando a emergência de um novo perfil de indivíduo social e de novas formas de cidadania.
Da mesma forma, esses movimentos pelas redes sociais sofrem mecanismos de cerceamento sendo agenciados através de dispositivos de controle que são acionados a fim de eliminar as ondas de escapes que são promovidas nessas redes autônomas. Como exemplo pode ser citado à prisão de ativistas pela polícia dos estados de São Paulo e Rio de Janeiro por ocasião das manifestações iniciadas em junho de 2013 no Brasil. Através de prisões e inquéritos civis, foram acionados diversos discursos de medo e dispositivos de controle como forma de reduzir a onda de manifestação nas ruas. A notícia de que foi utilizada troca de informações pelas redes sociais entre os ativistas ou entre pessoas que queriam somente protestar fez surgir um amplo monitoramento e uma incessante vigilância, não somente entre os ativistas, mais gerando um verdadeiro comando de ação coletiva e de controle contínuo em torno da população.
Os atos contra a Copa do Mundo programados pelas redes sociais no Rio foram alvos de investigação pela polícia e conduzido pela delegacia de repressão a crimes de informática. Em torno dos manifestantes foi criada uma identidade agressiva, representando perigo à população. Foi sendo construído um diálogo que vai tomando corpo e sendo insuflado por uma audiência propagandística onde a eliminação dessas figuras indesejáveis tornaria a vida mais saudável e tranquila. A prisão de vários manifestantes acusados de incitação à violência pelas redes sociais, formação de quadrilha e prática criminosa representa verdadeiros mecanismos de poder, numa tentativa de escamotear o processo de mobilização dos militantes e das lutas sociais como um todo.
Foi divulgado que a delegacia de repressão a crimes de informática, autuou em flagrante diversos manifestantes a partir da análise de imagens das manifestações e do monitoramento da internet. Um dos indiciados foi o administrador de uma rede social chamada Anonymous no Rio de Janeiro por publicação de material considerado “incitação à prática criminosa”. A polícia começou a rastrear continuamente a presença do grupo nas redes sociais gerando “provas”, fabricando “dados” e produzindo “verdades” em torno desses ativistas políticos. Depois de constatar que através do facebook e em outras mídias sociais havia a organização dos protestos, dia e horário das manifestações, agendamento e troca de informações e de vídeos entre os ativistas foi sendo gerado material suficiente para ser considerado “prova” e caracterizar legalmente uma “quadrilha”. Ou seja, foi sendo construído em torno dessas pessoas e desses discursos um misto de salvação e demonização cuja forma muito particular de dominação e de produção de verdade gera processos que constituem verdadeiros mecanismos de poder.
Essas pessoas que estão na rede, trocando e cooperando com postagens na prática do ativismo e da militância política e no engajamento colaborativo em rede, parece indicar um apelo à construção de outras narrativas e de outros coletivos numa nova forma de protagonismo social que faz bifurcar novos modos de existência e novos valores de cidadania e de vias alternativas às formas hegemônicas de pensar e agir. Esses espaços em rede podem e possuem esse referencial e essa potência de criar alianças como possibilidade de invenção coletiva, interrogando práticas instituídas, práticas comunitárias e locais, práticas governamentais, fazendo emergir novas perguntas e, por que não, novos modos de uso e de troca.
Esses novos atores sociais e essa nova dinâmica do coletivo parecem indicar uma forma de protagonismo social que propicia novas cidadanias, novas formas de relacionamento, novas formas de uso e também novas formas de controle.
Um reflexo das redes no campo da participação política e urbana e na construção coletiva pode ser sentido em campanhas de financiamento coletivo conhecido como crowdfunding com as quais as redes potencializam a divulgação de idéias em torno de interesses compartilhados a partir de uma rede de influências de conhecidos diretos, sejam eles parentes ou amigos, e que acreditam naquele projeto e naquela ideia. O crowdfunding através de uma rede de círculos de influência e na forma de informação aberta e transparente promove projetos através de financiamentos coletivos online em variadas áreas como cultura, cinema, cunho ambiental, jornalístico, intervenção e criação em espaços urbanos, e até em campanha eleitoral na forma de captação de recursos financeiros.
Dessa forma, caberia trazer à tona o questionamento se não estariam sendo travados, no interior mesmo dos processos de globalização, movimentos de resistência e de escapes que indagam o existente e o cenário político e social trazendo outros modos de organização e outros modos de uso e de trocas, mais também novas formas de controle.

Palavras-chave: monitoramento, controle, tecnologias, redes, sociedade.