A departamentalização da Vigilância, de João Goulart à Dilma Rousseff: uma perspectiva historiografica aplicada ao âmbito informacional

#71

Thayron Rodrigues Rangel
Tatiana Yurie Kanashiro Ishikawa

INTRODUÇÃO

O crescimento exponencial da informação teve como marco inicial a Segunda Guerra Mundial e despertou a importância em estudos diferenciados sobre o assunto. Após a Guerra intensificou-se a necessidade de capacitação de profissionais para atuarem na área de informação em Ciência e Tecnologia, ratificando a necessidade e importância na recuperação de informações relevantes para a memória da sociedade brasileira, como a Comissão Nacional da Verdade, a Lei de Acesso à Informação e o Memórias reveladas. Esses fatores aumentaram as pesquisas no campo da Ciência da Informação e implicaram em uma preocupação com a informação que é fornecida à formação universitária e que circulam pela sociedade.
Diante desse cenário, o progresso desenvolvimentista industrial e econômico, passou a depender cada vez mais do conhecimento científico e das tecnologias, necessitando de um fluxo cada vez mais estruturado de informações. O estudo proposto iniciar-se-á, com a derrubada do Presidente João Goulart em abril de 64, instaurando em nome da segurança nacional, defesa às normas democráticas e familiares e de um progresso científico [Segurança e Desenvolvimento], um novo período que duraria aproximados vinte anos.
A tomada do poder pelos militares se deu a partir da instabilidade política nacional (uma vez que João Goulart acenava com reformas de base, aumentando de se ter um Presidente comunista); Instabilidade política mundial (o avanço das frentes comunistas, o temor americano de que o Brasil pudesse se tornar uma segunda Cuba) e alta inflação, a agitação social (evidenciado principalmente na Marcha da Família com Deus Pela Liberdade; greves em vários setores das Forças Armadas), junto dos investimentos norte-americanos no país, fato que geraria ano depois, grande dívida externa. Assim sendo, um regime com intuito de estabelecer a ordem, perante a muitas manifestações sociais que ameaçam o sistema econômico e capitalista nacional, foi erguido de maneira forçoso através dos Atos Institucionais (AIs) e Complementares (ACs) e controle informacional.
Estes novos instrumentos de controle de massa e de informação – ainda mais rigorosos a partir da edição do Ato Institucional cinco (AI 5) em 1968; Polícia Política e os inúmeros Departamentos de Segurança da informação atrelados ao Serviço Nacional de Informação (SNI) e a Doutrina de Segurança Nacional (DSN) – silenciaram de vez a intelectualidade brasileira e também o avanço político-educacional vigente, bem como “calou” a imprensa e vetou inúmeras formas de expressão artística e cultural a partir de decretos como Nº 27.583 14/12/49 editado em março de 1950; Constituição de 67; Dec. 60.417 /67; 69.534 /71; 79.099 de 6/01/77 dentre outros.
Acredita-se que de 1964-1985, um novo regime informacional foi estabelecido, se transformando de forma considerável e casuística, a partir dos vetos do Departamento de Ordem Social e Política, e controle das bibliografias lidas e disponibilizadas para a sociedade e corpo discente. Na literatura, encontramos inúmeros departamentos ligados ao controle e vigilância da informação como: DSI, SNI, SISNI, SCIFI, ASI, AESIS, CSN, SICI/DSI, AESIS, ARSIS dentre outros.
Do ponto de vista da informação, o governo dispunha do Sistema Nacional de Informações (SNI) e de Divisões de Segurança e Informação (DSI), presentes nos ministérios civis, em autarquias, nas fundações e nas empresas estatais. As Forças Armadas, por sua vez, tinham uma estrutura própria, que incluía um centro de informação da Marinha (CENIMAR), outro do Exército (CIE) e um terceiro da Aeronáutica (CISA), além do Subsistema de Informações Estratégicas Militares, responsável, especificamente, por tratar das informações relacionadas às operações militares. O Centro de Operações de Defesa Interna (CODI) e os Destacamentos de Operações de Informações (DOI) [...] (ANGELO, 2011)
Nota-se que a Vigilância e Contra informação foram os pilares do militarismo brasileiro. Uma vez que, a informação estratégica servia tanto para descobrir sobre os potenciais inimigos da Ditadura, como para cercear e eliminar qualquer forma de informação que iria contra os princípios defendidos pelos militares (seja na forma de livro, como em publicação da imprensa).
Evidencia-se na literatura pesquisada, uma maior ocorrência nas áreas e Ciências Humanas e Políticas. Bernd (2003) relata em seu livro, a obrigatoriedade de se “pular” certas páginas de romances de diversos romances de literatura – como Crime do Padre Amaro – e, minutos após o término das aulas, os livros censurados não se encontravam mais disponíveis nas bibliotecas. Segundo Motta (2014, p. 1221), no ano de 1971 a DSI/MEC, acusou inúmeras editoras de publicarem obras de conteúdo inconveniente ou perigosas para a juventude. Dentre elas temos a Herder, Vozes, Civilização Brasileira, Zahar entre outras. Este comunicado foi enviado as Assessorias de Segurança de Informação que se submetia as DSI. Em suma, se localizavam junto às Reitorias das universidades, institutos e colégio.
Na década de 1970 foram instauradas junto à DSI/MEC, cerca de 40 Assessorias Especiais de Segurança e Informações (Aesis) sediadas junto às universidades brasileiras e submetidas às Assessorias Regionais de Segurança de Informações (Arsis). Somente no Estado da Guanabara foram instaladas cerca de dez (10) ASIs – UFRJ; UFF; UFRRJ; Colégio Pedro II; Fundação Nacional de Material Escolar; Fundação Centro Brasileiro de TV Educativa; etc. – (MOTTA, p.197)
Para a estruturação inteligível, será elaborado um organograma dos departamentos e instituições ligadas a DSN e SNI e as instituições ou órgãos que atuaram diretamente na vigilância e controle de informação dos profissionais de informação (bibliotecários, arquivistas, digitadores e demais), controlando o acesso, uso e disseminação de informação no Estado da Guanabara. E ainda, as formas de vigilância realizadas pelos departamentos supracitados no período ditatorial e seu desenvolvimento à Vigilância Digital de Snowden. Utilizaremos ainda, bases de dados históricas nacionais e internacional, bem como levantamento bibliográfico.
Assim sendo, a partir de um recorte nem tão recente na historiografia brasileira, o termo vigilância integrado anos depois ao de contrainformação, representa de forma significativa os últimos 50 anos. Apresentada como meio de controle a documentos em meio físico e a indivíduos, configura-se hoje, em meio virtual. Acredita-se assim, na necessidade de reconstruir as formas de vigilância utilizadas no recorte realizado, para entendermos se o mero espelhamento ao ambiente virtual possibilita o controle como antes, visto posto, inúmeros campos sociais que hoje, não estão atrelados à rede mundial.
Apresentado como “a observação contínua de alguém sem o seu conhecimento”, ou a “observação secreta e constante de pessoas, veículos e lugares para obter informação a respeito das atividades e identidade de certos indivíduos” a “Vigilância” segundo o SFICI, pode se ser empregada por meio estático, móvel, técnico e através da combinação de meios (BR NA, RIO X9.0.TA.1/8; Arquivo Nacional). Em contraponto, encontramos diferentes instrumentos de ensino e manuais utilizados pela EsNI (Escola Nacional de Informações) como o Plano Nacional de Informação e Apostila de Vigilância e práticas de contra vigilância nos serviços de informação soviéticos).
Estas e outras técnicas possibilitaram e ainda possibilitam a partir de grandes investimentos, o controle informacional a documentos sensíveis, instituições e a pessoas, seja com a justificativa de ordem ou mesmo sem qualquer tipo.
Somente no ano de 2014, segundo levantamento do newsletter The Washigton Post, cerca de 52,6 bilhões de dólares foram investidos nos Serviços de Inteligência americanos e cerca de 70% desse montante, foi divido entre a CIA, NSA e o Escritório Nacional de Reconhecimento (responsável pela construção e operação dos satélites de tal). Meio a estes investimentos e ao exponencial crescimento informacional junto aos poucos mecanismos de legalização, regulação e controle de atividades de vigilância; vê uma expansão acelerada de empresas fornecedoras de softwares para realizar todo tipo de controle de acesso e uso das redes.
Segundo SPY FILES 3, documento elaborado pela WikiLeaks e alguns colaboradores, mostra através de seus mais de 200 documentos, empresas como GLIMMERGLASS; NET OPTICS; QINTIQ; GAMMA GROUP; OCKHAM, AMECS; I2 GROUP; dentre muitas outras. Estas empresas realizam atividades de grampeamento de tráfego de dados; análise simultânea de acesso a inúmeras tipologias documentais no suporte digital como vídeos, fotos, gravações e demais; descoberta de falhas nos sistemas operacionais; monitoramento da rede fulltime; análises biométricas e de reconhecimento facial, de redes sociais e demais.

Objetivo
Analisar e discutir o conceito e aplicação da vigilância e e contrainformação nos últimos 50 anos através da departamentalização em cascata da esfera federal, estadual e municipal e, seu impacto na construção educacional nas universidades e na a atuação dos profissionais de informação, identificando assim, a estrutura dos departamentos e institutos de segurança, bem como levantando os presos políticos no Estado da Guanabara que atuavam no âmbito informacional.

Processos Metodológicos
A proposta de metodologia para a dissertação se classifica como teórico-empírica com pretensão de interagir com as abordagens teóricas e ao mesmo tempo pontuar dados coletados na bibliografia levantada e nos documentos retirados na bases de memórias Reveladas e também na Wikileaks. Alicerçada também em bases de abordagem construtivista, visa de gerar conhecimento de forma crítica e coletiva.
A composição estrutural basilar deste trabalho se dará pela pesquisa bibliográfica na BDTD, SCIELO, GOOGLE ACADÊMICO, MEMÓRIAS REVELADAS, WIKILEAKS e demais bases e repositórios, a fim de mapear literaturas nos campos da Ciência da Informação e da História, além das consultas aos artigos publicados em revistas científicas sobre o tema proposto. As pesquisas contribuíram para o desenvolvimento e análise do assunto proposto bem como do conteúdo coletado concernente a este trabalho.
Ilustraremos o trabalho com a apresentação do mapa estrutural dos Departamentos e Institutos de Informação e todas suas subdivisões, desde o SNI e DSN aos Ais Universitários. Apresentar-se-á também, a linha do tempo de evoluções destas unidades e as principais ferramentas de vigilância e contrainformação utilizadas pelo Governo, em quaisquer esferas.
O desdobramento desse primeiro momento se deu a partir da leitura, seleção do conteúdo pesquisado, definição das categorias de análise com foco no tema em questão e finalmente desenvolvimento da dissertação desse trabalho.

Resultados e impactos esperados
Espera-se apresentar aplicação dos conceitos de vigilância no Brasil, como forma de reflexividade das suas definições; evidenciados em um período de grandes “tensões” tecnológicas e sociais, associadas a um possível avanço (proposto pelo Estado) tecnológico e industrial de nosso país, almejando direitos à expressão e crescimento cultural; de forma um tanto quanto dicotômica. Todos estes fatores tangenciam as políticas no âmbito militar e dão tônus a uma política informacional de determinado regime.
Pretende-se ainda, elaborar o mapa conceitual das instituições e departamentos criados pelo governo para controle e censura da disseminação e produção de informações no período em análise, a partir da apresentação da linha do tempo destas instituições, visando valorar o estudo proposto, agregando informações fornecidas por documentos disponibilizados no Memórias Reveladas e nas fontes bibliográficas primárias e secundárias, a fim de sanar tantas problemáticas a cerca da práxis evidenciada nos dias de hoje.

Palavras-chave: vigilância, ditadura brasileira, profissionais da informação, segurança de informações.

Referências:
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