Trajetos vigilantes e a esperteza dos drones

#36

Tiago Barcelos Pereira Salgado
Polyana Inácio Rezende Silva

Podemos observar nos meios de comunicação e informação no Brasil e em outros países, como a França e os Estados Unidos, por exemplo, uma vasta discussão a respeito de veículos aéreos não tripulados (VANT) ou veículos aéreos remotamente pilotados (VARP), idealizados para fins militares. Os drones, como são popularmente conhecidas estas aeronaves com ação à distância controladas por meios eletrônicos e computacionais com ou sem ação humana, agem em várias situações, produzindo informações variadas. Segundo infográfico disponibilizado no site Smardrones.fr, os Estados Unidos é o primeiro país na lista de países em que mais drones vooam no espaço aéreo. A França está em segundo lugar e o Brasil em nono. Considerando que os drones sejam a princípio uma tecnologia de espionagem e vigilância, salientamos algumas ocorrências possíveis em que eles são utilizados: produção de imagens pessoais; guerras e conflitos civis; controle e monitoramento de doenças. Cabe destacar que eles também podem ser acoplados aos corpos humanos enquanto computadores vestíveis (wearables). Em vista disso, propomos uma reflexão tecnológica a respeito dos drones, buscando compreender tais máquinas como seres da técnica, em um modo de existência que lhes é peculiar (Latour, 2012). Para tanto, seguimos a orientação de Bruno Latour (2012) em apreendê-los como trajetos, em contraste a considerá-los simplesmente como objetos, tal como proposto por Gilbert Simondon (1989). Trata-se de uma proposta para olhar os objetos em suas trajetórias, em suas ações, considerando que, ao fazer, eles fazem fazer e ordenam, organizam agências. A este respeito, ressaltamos que aos drones é possível delegar ações das quais não estamos aptos a realizar, como deslocarmo-nos velozmente pelo ar ou termos visão aérea amplificada. A delegação é entendida como atribuição ou distribuição de ações a outros atores, de modo que eles ajam no lugar de outros (Latour, 1992, 1994, 2001). Sublinhamos que funções infocomunicacionais também podem ser atribuídas aos drones, muitas das quais relacionadas à Internet das Coisas (IoT) e ao Big Data, tais como registrar e disponibilizar grande volume de dados por meio da comunicação entre máquinas (Lemos, 2013) que possibilitam a tomada de decisões com relação ao modo de agir, muitas delas autônomas e sem a mediação de humanos. Considerando o potencial de tomada de decisões e ações autônomas para as quais são programados, como monitoramento, controle, observação, classificação e checagem (Bauman, 2013), os drones são caracterizados como “objetos inteligentes” (smart objects). Tendo isso em vista, para além das funções computacionais a eles conferidas, a proposta deste artigo é investigar como se caracteriza a “esperteza” atribuída aos drones por matérias jornalísticas e pelas empresas que os comercializam e como eles integram uma lógica contemporânea de vigilância móvel, fluida, distribuída e líquida (Bruno, 2013; Bauman, 2013). Pensar a distribuição da vigilância implica em considerar, de acordo com Fernanda Bruno (2013), o surgimento e a atualização de tecnologias digitais, que solicitam outras práticas, apropriações e deslocamentos conceituais, estéticos, cognitivos, políticos e subjetivos. Neste sentido, a vigilância afirma-se no exercício da atividade de atualização constante e sistemática de informações sobre indivíduos ou grupos. A concessão ao uso e convivência com o aparato tecnológico digital reforça o caráter móvel que configura a vigilância distribuída. Diante da autonomia e ação dos drones, consideramos também que eles se apresentam como máquinas de visão contemporâneas. Segundo a formulação elaborada por Paul Virilio (2002), as máquinas de visão podem ser consideradas como máquinas que permitem ver o que antes não era visto. Neste sentido, a aproximação com Latour (1992, 1994, 2001) em torno de delegação e mediação técnica é possível, uma vez que atribuímos aos drones funções das quais somos limitados, de modo que estas máquinas de visão possam ver e perceber em nosso lugar. As ações assumidas pelo drones, tais como procuramos frisar, tem se estendido para além de contextos relacionados à guerra. A fim de inquirirmos a respeito da "inteligência" dos drones e a integração deles em circuitos de vigilância e visibilidade contemporâneos, atentamos para três momentos privilegiados destacados em matérias jornalísticas no Brasil, na França e nos Estados Unidos e nos sites em que os drones são comercializados. O primeiro deles diz respeito ao registro de auto-retratos com o uso de drones vestíveis (dronies), como a Nixie, câmera vestível que se transforma em drone e que pode ser controlada por controle remoto e, futuramente, por meio de gestos. A ideia é que a pequena câmera reconheça a posição em que o usuário se encontra, tire uma fotografia dele e retorne para seu pulso automaticamente. A proposta é que a imagem possa ser compartilhada em redes sociais online. Este projeto é finalista do concurso "The Creator's Project" organizado pela Intel. O segundo momento elegido é a utilização de drones em contextos militares, em que eles são empregados na tarefa de coletar e processar informações, bem como são habilitados por seus operadores a localizar o objeto da execução. Junto a isso, cabe atentarmos ainda para uma função latente e não declarada dos drones, como pontuada por Bauman (2013), qual seja a de isentar seu operador da culpa de selecionar e executar alvos que foram identificados. Em contextos militares, os drones auxiliam no carregamento de equipamentos, ajudam soldados com detectação de fogo e e visualização da movimentação de corpos durante a noite, além de utilizarem e transportarem grandes e potentes armas de guerra. Estes drones de guerra podem se auto abastecer, decolar e aterrizar sem interferência humana. Por fim, a terceira situação escolhida é o emprego de drones para o controle e monitoramento de doenças infecciosas. Os robôs aéreos tem sido usados por pesquisadores na ilha de Borneo, sudoeste da Ásia, para mapeamento de áreas afetadas por um tipo de parasita da malária transmitido aos humanos por mosquitos e macacos. Por meio deste monitoramento, os pesquisadores conseguem identificar as regiões de contato mais intenso entre homens e animais. Estes pontos de contato são situados em mapas e modelos de superfícies digitais do terreno e da vegetação produzidos pelas câmeras acopladas aos drones (senseFly ebee), que possibilitam a identificação de locais em que o parasita se espalha com mais frequência. O acompanhamento do movimento de humanos e macacos é feito por meio de dados GPS provenientes dos colares com funções de geolocalização portados pelos animais. Trata-se, portanto, de um esforço em tornar visíveis os seres da técnica, apagados pelo projeto moderno, como destaca Latour (2012), procurando atentar para as trajetórias dos drones e os modos como eles se apresentam enquanto "objetos inteligentes" que agem por outros e integram circuitos atuais de vigilância e visibilidade.

Palavras-chave: ação remota, delegação, drones, técnica, vigilância.