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Bruno Cardoso
Mais importante investimento em segurança pública já realizado no Rio de Janeiro, o Centro Integrado de Comando e Controle (CICC-RJ), localizado na região da Praça 11, vem sendo apresentado pela Secretaria de Segurança estadual como o “maior centro de tecnologia de segurança na América Latina”. Seu objetivo principal é possibilitar, ou facilitar, a atuação conjunta e coordenada de diferentes instituições possivelmente implicadas em questões de segurança pública ou do que vem sendo chamado de “defesa social” . Isso se refere tanto ao manejo de situações cotidianas relativamente comuns (embora diferindo sensivelmente em intensidade) a boa parte das grandes metrópoles, quanto ao enfrentamento de catástrofes, crises ou calamidades, ou a organização e a logística de grandes eventos, sejam eles rotineiros ou excepcionais.
Seu projeto foi uma iniciativa da Secretaria de Segurança do Rio de Janeiro (Seseg-RJ), interessada em ampliar e aperfeiçoar a experiência até então realizada com o Centro de Comando e Controle (CCC), que durante cerca de 7 anos funcionou num andar da Torre da Central do Brasil (ver Cardoso, 2014), e baseada em modelos em operação em outras cidades do mundo. Entretanto, com a realização da Copa do Mundo de 2014 no país, o Ministério da Justiça, através da Senasp (Secretaria Nacional de Segurança Pública) e da Sesge (Secretaria Extraordinária de Segurança em Grandes Eventos), resolveu adotar o modelo nacionalmente, com centros semelhantes espalhados pelas 12 cidades sede, e um 13o na capital federal, centralizando as informações e coordenando os trabalhos locais. Assim, o Sistema Integrado de Comando e Controle (SICC) foi o cerne do planejamento e das operações em segurança pública tanto para a Copa do Mundo de 2014, já realizada e de lógica fragmentada espacialmente, quanto para os Jogos Olímpicos de 2016, que estarão situados apenas no Rio de Janeiro, mas com a expectativa de atrair para o território nacional um número bastante elevado de estrangeiros.
Com isso, a construção de 13 CICCs e a criação do SICC concentraram parte considerável dos recursos destinados à segurança da Copa do Mundo, e são apresentados como principal “legado” deixado pelo evento na área. No âmbito nacional, o SICC representa um novo modelo de ação integrada e coordenada entre diversas agências e instituições, colaborando também para o estabelecimento de uma política securitária comum a todo o país, sob a influência do Ministério da Justiça. Já no âmbito local, os CICCs funcionam sob o comando das secretarias de segurança, e são apresentados como os pilares de uma nova forma de gerenciar as demandas e desafios cotidianos de uma metrópole, além de enfrentar situações de exceção ou crise.
O CICC-RJ contém, dentro do mesmo prédio, 3 diferentes esquemas de funcionamento, que correspondem a espaços separados e com dinâmicas bastante diversas. No CIODS (Centro Integrado de Operações em Defesa Social), localizado no segundo andar do prédio e funcionado em tempo integral, são executadas as atividades cotidianas de segurança e de governamentalidade. O CIOC (Centro Integrado de Operações Coordenadas) é instalado apenas sob demanda, seja na ocasião de algum evento regular importante (réveillon, carnaval, eleições, por exemplo), ou quando uma operação mais significativa requer a ação integrada, ou coordenada, de diferentes órgãos, agências e instituições. Quando em operação, o CIOC ocupa o terceiro andar do prédio, onde está localizada a Superintendência de Comando e Controle (SCC), setor responsável pelas operações, pelo comando e funcionamento diário do CICC. O terceiro esquema de funcionamento é o GGC (Gabinete de Gestão de Crises), a ser instalado apenas em situações imprevistas e de grande magnitude, e composto sempre por importantes autoridades (Secretário de Segurança, Governador, Ministro da Justiça ou Presidente da República). Pelas características de sua instalação e atuação, o GGC tende a ter curta duração, e, quando instalado, se espalha pelo 3o e 4o andares do prédio.
Durante todo o período de operações da Copa do Mundo (iniciado 1 mês antes do evento e estendido por mais 1 semana após a final), o CICC-RJ teve seu CIOC funcionando, sob coordenação direta da Sesge, mas contando também com muitas outras agências. Entretempos, as operações do CIODS também foram mantidas, simultaneidade que pode ser obtida de forma relativamente simples pela separação espacial, fundamental na concepção do prédio. Tentado dar conta minimamente da complexidade envolvida nesse funcionamento, no qual a operação simultânea desses diferentes “ambientes” é muito importante, serão analisados neste paper tanto a estrutura do CICC quanto o funcionamento do CIODS e a formação e planejamento do CIOC, que esteve em operação durante a Copa do Mundo.
Desde sua inauguração oficial, no meio de 2013, o prédio vem sendo ocupado aos poucos por representantes de diversas empresas e instituições, processo acompanhado através de pesquisa de campo. Neste trabalho, ao tratar do CIODS, darei atenção especial ao setor de despacho da Polícia Militar – primeiro a ser integralmente transferido para o prédio -, onde é feita a distribuição de viaturas para o atendimento de todas as chamadas que chegam ao call center da PM (190). Para tanto, os policiais responsáveis pelo serviço e os atendentes do 190 estão em constante interação com mediadores não humanos cada vez mais presentes e centrais na segurança pública no Brasil, num processo internamente chamado de “modernização tecnológica”. Serão apresentadas e discutidas algumas das dificuldades práticas cotidianas enfrentadas no estabelecimento e na tentativa de estabilização das muitas redes sociotécnicas que formam o CICC. Dificuldades que, cabe ressaltar, foram majoritariamente ignoradas pelos desenvolvedores tecnológicos e menosprezadas pelos planejadores e gestores públicos envolvidos.
Também no CIOC, os mediadores não humanos são fundamentais para a composição da rede temporária que deve ser criada. Contudo, diante dos desafios que se apresentam, e das características das relações estabelecidas entre as diferentes agências (em especial a impossibilidade de se estabelecer uma clara hierarquia – ou cadeia de comando e obediência - entre os vários humanos componentes dessa rede), outros elementos fulcrais na criação e funcionamento de uma rede sociotécnica são evidenciados.