#34
Emanuella Santos
Patricia Lima
A Internet surgiu com a promessa de possibilitar ao indivíduo o poder de criar, produzir, compartilhar e participar de forma autônoma neste novo meio, o que a diferenciou dos meios de comunicação tradicional. Com a participação ativa, e com o direito à privacidade e a liberdade de expressão garantida, os usuários contribuíram para a expansão da rede, com um empenho nunca antes visto. O que foi encarado de forma otimista, hoje mostra suas reais implicações. O mundo pós-11 de Setembro trouxe grandes questões, entre elas, que tipo de Internet devemos construir? A vigilância que cresce nesse meio coloca a prova o ideal pensado pelos criadores da Internet. O grande desafio é propor uma Internet aberta e livre, e que não incrimine um cidadão de ser um terrorista por falar o que pensa e sabe.
A sociedade em rede atual tem a vigilância como prática comum no cotidiano da vida urbana e social de seus indivíduos. Tudo o que é feito quando se está conectado é registrado e arquivado em algum banco de dados. O armazenamento de tais informações cria um perfil completo sobre quem é, onde esteve, os gostos e opiniões de todas as pessoas que faz uso de qualquer tecnologia digital.
Um dos grandes desafios modernos é a tentativa de manter os ideais de Internet pensados por seus criadores. Mas, sabemos que a Internet de hoje não é a mesma das dos anos 1990 (Di Fellice, 2014), ela foi transformada a partir dos usos humanos e dos novos padrões que surgiram provenientes da inovação em serviços e ferramentas oferecidos por diversas empresas, fazendo com que novos dilemas emergissem.
A maioria das sociedades sofrem com as implicações do mundo pós-11 de Setembro, de forma direta ou indireta. Os EUA e outros governos investem intensamente em tecnologias de vigilância e monitoramento alegando a tentativa de se evitar outros atentados, mas os limites de tal poder se tornaram perigosos. Em 2013, Edward Snowden gerou relevância mundial nos temas de vigilância e privacidade na rede, suas revelações sobre as atrocidades que tais governos estavam realizando, trouxe à tona o tema para se discutir sobre o futuro da Internet.
Após os atentados de 11 de setembro, o “terrorismo” tornou-se o termo da moda. A falta de uma definição concludente entre os especialistas (Bruce, 2013) corroboram para que tal palavra seja usada para diferentes propósitos e na maioria das vezes de forma equivocada. Nosso foco, nesse artigo será refletir sobre como a vigilância em massa vem sendo justificada como medida de segurança, se chocando com princípios irrefutáveis como o direito à privacidade e a liberdade de expressão, fazendo surgir novas questões sobre o poder que o controle sobre todos os nossos passos digitais, pode acarretar na sociedade atual e futura.
Vivemos em um mundo em constante mutação. O que era novidade ontem, em poucos dias se torna ultrapassado ou reconfigurado, a velocidade e emergência das mudanças trazidas pelas tecnologias digitais tem impedido de percebermos e refletirmos com maior profundidade sobre suas consequências e implicações. Atualmente, isso se faz urgente.
A cultura do digital se espalhou por todo mundo e grande parte dos processos políticos, sociais, econômicos e culturais foram afetados por tal cultura. Com o surgimento da Internet, os meios de comunicação tiveram que se reinventar, atendendo aos públicos que adentraram neste meio. Vale ressaltar que, como bem mostra Santaella (2010), a cultura do digital chegou se somando as anteriores, e não substituindo-as. Ainda assim, gerou transformações em todas as sociedades do mundo, transformando-nos em uma única “sociedade em rede” (Castells, 2003).
No que tange ao indivíduo, se antes éramos vistos como seres passivos nos processos informacionais e comunicacionais, ou seja, meros receptores de informação e de mensagens manipuláveis, desde a criação da Internet isso mudou. A promessa de maior autonomia e liberdade para o indivíduo, em que ele teria em suas mãos o poder de participar ativamente da construção desse meio está fortemente presente no imaginário geral. E isso, em parte, aconteceu.
A cultura da participação, tão difundida e valorizada no contexto da cibercultura, tem por trás esse ideal de livre expressão, mas esconde de fato o que ela acarreta. Quando participamos, deixamos rastros de todos os tipos em nosso histórico de navegação na Internet, seja através de nossos computadores, celulares ou tablets, sem falar na nova onda que se fortalece, das tecnologias vestíveis. Fernanda Bruno (2013), em seus estudos, nos alerta para o fato de que o interesse de se rastrear tais dados não é só do marketing, mas também de outros segmentos, e é ai que devemos nos preocupar.
Ainda que fundamentalmente se enfatize o papel e os interesses do marketing neste contexto, é fundamental ressaltar que, além do marketing e da publicidade direcionada, o monitoramento de rastros pessoais na Internet é de interesse comum a diferentes domínios: segurança, entretenimento, saúde, gestão do trabalho e recrutamento de pessoal, consultoria e propaganda política, desenvolvimento de produtos e serviços, vigilância e controle, inspeção policial e estatal etc. (Bruno, 2013, p. 124)
Atualmente, somos os maiores contribuidores dessa vigilância pois, grande parte das pessoas tem pelo menos um perfil em alguma rede social (Facebook, Instagran, Twitter), expondo tudo o que se passa em sua vida, entre fotos, opiniões e até assuntos íntimos. Vivemos num constante “show do eu” (Sibilia, 2008), em que a visibilidade representa o símbolo de poder e status na nova era digital. “Agora estamos todos em exposição permanente, todos somos apenas imagens de nós mesmos neste admirável mundo novo transparente” (Keen, 2012, p. 21). Neste cenário, nos tornamos vigias de nós mesmo, mas Foucault (2013) nos garante que a vigilância é uma armadilha, ignoramos as implicações de uma exposição exagerada, e nos conformamos com o que nos é imposto, tanto por empresas quanto por governos.
Para alguns autores, como Chomsky (2013), as consequências desse estado de vigilância permanente foram potencializadas depois do 11 de setembro, e vem sendo usado como arma para impor certo controle. As revelações de Edward Snowden disseminaram no mundo a preocupação sobre a vigilância em massa que é realizada por alguns governos, nos fazendo enxergar as suas reais consequências. Agora, o discurso de segurança usado por muitos anos como justificativa para tanta vigilância, começa a ser questionado.
Acusações de governos contra meios de comunicação, principalmente dentro da rede, tem se intensificado e se tornado mais evidente. Jornais, jornalistas ou qualquer indivíduo que discurse contra o governo e forneça alguma acusação, podem ser taxados e acusados de terrorismo. Glenn Greenwal é o grande exemplo deste tipo de acusação. Em alguns países como Reino Unido e EUA já é Lei (Gosztola, 2014), e qualquer jornalista que se volte para assuntos que trate da segurança nacional pode ser incriminado como terrorista.
Hoje, o limite entre o que se entende em transmitir uma informação ou de praticar um ato terrorista contra um desses governos, é tanto infundado quanto perigoso para todas as sociedades. Revelar a verdade passou a ser encarado como uma ação criminosa. E dentro da Internet, se tornou fácil monitorar e vigiar qualquer indivíduo que dissemine informações, seja em suas redes sociais, em um blog, ou em forma de vídeo.
A atual pesquisa está voltada a mais um paradoxo e complexidade trazida pela Internet, uma vez que foi o meio que prometeu maior autonomia e liberdade, fazendo o usuário participar e colaborar com a expansão de tal rede, mas que utiliza do próprio uso que cada um faz para monitorar, vigiar, rastrear todos os dados deixados por tal e acusa-lo de terrorista. A privacidade assim como a liberdade de expressão, passa por um processo esmagador. No caso da privacidade, estabelece-se como uma preocupação que não faz mais sentido no atual contexto, e o papel que a livre expressão sempre sofreu na história dos meios massivos de informação, agrava-se indiscutivelmente.
Considerações finais
Considerar como uma discussão necessária e urgente o caminho que a Internet está seguindo é papel tanto da academia, quanto da sociedade como um todo. A criação de mecanismos que nos proteja do controle de governos, e também empresas, a princípio deve começar a surgir e serem inventados pelos próprios usuários, como pudemos observar com a rede do Tor, navegador que preserva o anonimato dos seus usuários, se mostrando uma verdadeira arma a favor do que se diz ser “livre” na rede.
Bauman (2011) afirma que não existe uma solução perfeita para a dicotomia que existe entre a segurança e a liberdade. Para o autor, sempre existirá mais de um, e menos de outro. Porém, garante, que nós nunca deixaremos de procurar a solução para esse empasse. Cientes dessa busca que parece não cessar, devemos considerar a linha criada sobre o revelar ou não revelar a verdade nesse contexto, sabendo que a qualquer tentativa de expor uma instituição ou pessoa do poder, pode ser encarado como uma ação criminosa.
Se hoje a palavra da moda é terrorismo, amanhã pode ser outra pior. Devemos estar dispostos a repensar conceitos, perspectivas e questões que se mostram emergentes para a sociedade em rede atual e futura. Prometer segurança, mas tirar a liberdade e privacidade dos usuários da Internet é um discurso que deve ser evitado, principalmente por se tratar de um meio que lutamos para ser democrático.
Palavras-chave: internet livre, terrorismo, vigilância.
Referências:
Bauman, Z. (2014). Segurança e liberdade: uma dicotomia. Recuperado em 12 de novembro de 2014 de http://www.youtube.com/watch?v=Q3TdhIjBW5Q.
Bruce, G. (2014). Definition of terrorism – social and political effects . Recuperado em 10 de novembro de 2014 de http://jmvh.org/article/definitionof-terrorism-social-and-political-effects/.
Bruno, F. (2013). Máquinas de ver, modos de ser: vigilância, tecnologia e subjetividade. Porto Alegre: Sulina.
Castells, M. (2003). A galáxia da internet: Reflexões sobre a internet, os negócios e a sociedade. Rio de Janeiro: Zahar.
Chomsky, N. (2013). Mídia: propaganda política e manipulação. São Pulo: Editora WMF Martins Fortes.
Di Fellice, M. & Lemos, R. (2014). A vida em rede. Campinas: Papirus 7 mares.
Foucault, M. (2013). Vigiar e punir: história da violência nas prisões. Petrópolis: Vozes.
Gosztola, K. (2014). UK Watchdog warns country’s terrorism laws could be used to criminalize newspapers as terrorists. Recuperado em 06 de junho de 2014 de http://dissenter.firedoglake.com/2014/07/22/uk-watchdog-warns-countrys-terrorism-laws-could-be-used-to-criminalize-newspapers-as-terrorists.
Keen, A. (2012). Vertigem digital: por que as redes sociais estão nos dividindo, diminuindo e desorientando. Rio de Janeiro: Zahar.
Santaella, L. (2003). Culturas e artes do pós-humano: da cultura das mídias à cibercultura. São Paulo: Paulus.
Sibilia, P. (2008).O show do eu: a intimidade como espetáculo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira.