#62
Jorge Machado
Victoria Montoan
Com o aumento das informações e poder do Estado e o aumento da capacidade de armazenar, transmitir, processar e cruzar informação, tem surgido grandes bancos de dados que funcionam com pouco ou mesmo sem nenhum controle do cidadão ou com razoável supervisão pública. As tecnologias que facilitam a vigilância estatal das comunicações têm avançado, sem que a sociedade possa fazer frente à tal expansão. Por outro lado, os Estados não têm se esforçado em estabelecer leis, regulamentos e autoridades destinadas a exercer a vigilância de modo compatível com a proteção dos direitos humanos dentro de padõres internacionais. O caso dos programas de nota fiscal são um exemplo disso. Funcionando sob precária proteção legal de dados que são recolhidos de milhões de pessoas, formam bases de dados que possuem elevado valor agregado, quer seja pelo volume de informação, quer seja pelo detalhamento das mesmas, que permitem traçar um perfil detalhado de consumo de cada cidadãos.
Os programas de nota fiscais estaduais
Há alguns anos foram criados programas para estimular os consumidores a exigirem a entrega do documento fiscal na hora da compra, com o objetivo de reduzir a sonegação fiscal. Tais programas devolvem parte do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) recolhido pelo estabelecimento a seus consumidores, que podem receber na forma de créditos ou mesmo de dinheiro depositado em conta bancária. No entanto, para que programas de nota fiscal funcionem, é necessário a identificação do consumidor no documento, através do seu Cadastro de Pessoa Física (CPF), o que leva a associação individual do cidadão a todos os dados da compra, como, por exemplo, itens adquirido, quantidade, valor, local, dia e hora. Graças a esse registro é possível a produção de perfis individuais de consumo detalhados de milhões de pessoas. Estes dados são armazenados primeiramente no estabelecimento que realizou a venda e a coleta dos dados e depois numa base de dados da respectiva Secretaria da Fazenda estadual. O estabelecimento não a obrigação de transmitir o dado em tempo real - a não se que a nota fiscal seja do tipo on-line. Em geral esse dado é coletado no estabelecimento para ser transmitido mais tarde através de um programa de computador específico. Esse dado do cidadão pode ser armazenado e transmitido por um terceiro, como a empresa responsável pela contabilidade do estabelecimento comercial. Tampouco os dados terão que ser apagados do estabelecimento, que pode guardar uma cópia do mesmo por prazo indefinido.
Os programas de nota fiscal possuem regulação específica, que em geral está voltada a procedimentos técnicos e operacionais destinados aos estabelecimentos participantes e ao atendimento aos padrões e protocolos dos sistemas desenvolvidos pelas secretarias das fazendas estaduais. O foco do desenvolvimento do programa está unicamente no combate à sonegação e no fortalecimento das funções fiscalizadoras do Estado. Em outras palavras, tais programas foram criados e se desenvolveram, em tese, com pouca ou nenhuma preocupação com a proteção de dados pessoais dos cidadãos.
O objetivo desse estudo é fazer um quadro da proteção da privacidade nos diferentes estados que atualmente possuem programas de nota fiscal. Atualmente são Alagoas, Ceará, Sergipe, Bahia, Rio Grande Norte, Rio de Janeiro, Santa Catarina, Goiás, Maranhão, Amapá, Paraíba e Amazonas. O levantamento será feito através da análise da transparência ativa – o que é publicado de forma pró-ativa pela Secretaria Estadual da Fazenda - através dos portais do programa. Esse levantamento inclui a informação com relação a política de proteção de dados, como a informação é usada, quem tem acesso aos dados, o período de guarda de dados, a informação que compartilhada com terceiros, a cooperação com outras autoridades e a possibilidade do consumidor apagar seus dados. Como estudo de caso, será analisado com mais profundidade o Programa Nota Fiscal Paulista, cuja participação é obrigatória para os estabelecimentos comerciais localizados no Estado de São Paulo - independente do regime adotado ser o do Simples Nacional, Recibo de Pagamento Autônomo ou outros - , e que é o maior programa em número de usuários e recursos.
Para o Programa Nota Fiscal Paulista serão endereçadas questões mais detalhadas, será apresentado também um levantamento das normas e resoluções técnicas, assim como os procedimentos de coleta, transmissão, uso, tratamento, cruzamento e armazenamento de tais dados a luz de padrões aceitáveis de proteção dos dados pessoais.
Palavras-chave: dados pessoais, Programa Nota Fiscal, informação, vigilância.