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Deusiney Robson de Araújo Farias
Certamente, estamos passando por um processo de mudança de consciência política em todo o mundo ocidental e em boa parte do oriente, talvez estejamos diante de novas formas de ativismo, muitas vezes influenciadas e absorvidas pelo discurso dos media, mas que não deixam de ser novas formas de ação coletiva (Tarrow, 2010). Em vários casos, tais atividades políticas, que visam mudanças específicas e muitas vezes radicais, requerem a utilização de novos aparatos tecnológicos e de “redes de visibilidade” ou de difusão transnacional (Ayres, 1999, 2005). Para isso, a utilização da Internet torna-se necessária para a divulgação de tais ações, construindo, assim, essa prática transnacional (Tarrow, 2005) que nos coloca diante de novas demandas, muitas vezes deslocadas, realocadas ou mesmo glocais. Disputas “silenciosas” por atenção, visíveis para grande parte da sociedade e, na maioria das vezes, invisíveis para o campo político. Lutas que nascem e morrem antes mesmo de serem travadas, limitando-se apenas ao ciberespaço. Todavia, quando conseguem chegar ao espaço de aparência da política, encontram resistência por parte das engrenagens existentes.
Para alguns autores (Silveira; McCaughey, Ayers, Rigitano), a utilização da Internet por movimentos politicamente motivados, com a intenção de alcançar metas ou lutar contra injustiças que ocorrem na própria rede cibernética traduzem o sentido de ciberativismo. É essa concepção e consequentemente a terminologia adotada que nos incomoda. Neste artigo, portanto, tentaremos resolver este “incômodo terminológico”, versando sobre uma hipótese a ser desenvolvida na nossa Tese de doutorado, que tem como objeto as vicissitudes de lutas políticas na era do ciberespaço, em particular entre ciberativismo e campo político brasileiro, qual seja: 1) Consideramos que o ciberativismo favoreça muito mais uma alteridade com o meio de comunicação, representado pela máquina e seus links de conexão, simulando o ativismo político no espaço virtualizado (ciberespaço) e distanciando os sujeitos dos espaços públicos reais, constituindo, desta maneira, a seguinte ideia-força na sociedade: os espaços reais da política podem ser substituídos por um espaço virtual glocalizado. Por este motivo, acaba não alcançando seus objetivos no campo político, por já nascer de uma proposta virtual, diferente das forças reais e ativas, influentes nessa esfera de poder. Para nós, este termo constitui um dispositivo de linguagem capaz de “capturar, orientar, determinar, interceptar, modelar, controlar e assegurar os gestos, as condutas, as opiniões e os discursos dos seres viventes” (Agamben, 2005, p. 13).
Para Agamben, o dispositivo pode assumir diversas formas e conteúdos, tantas quanto a sociedade ou o sujeito seja capaz de produzir e apreender, provocando efeitos ideológicos na práxis e na episteme humana. “O dispositivo é, na realidade, antes de tudo, uma máquina que produz subjetivações, e só enquanto tal é uma máquina de governo”. (Agamben, 2005, p 15). Da mesma forma percebemos o crescimento do ciberativismo em seu campo de atuação, a Internet. Isso nos remete a afirmação de que “a ideia-força tem sua eficácia simbólica potencializada na medida em que o campo que a difunde possui maior legitimidade” (Miranda, 2005, p.100).
O ciberativismo, ao contrário do ativismo, tem a intenção de adocicar os corpos diante dos aparatos cibernéticos. Esta afirmação, muitas vezes considerada inapropriada para a ação do ciberativista, será levada até as últimas consequências de seu entendimento. Apostaremos no termo foucaultiano, a fim de mostrarmos que nosso argumento tem embasamento teórico cientifico e principalmente que a palavra exerce um poder desmedido nas ações dos sujeitos. Este termo separa o próprio ser-ativista e retira-o imediatamente da sua relação com o mundo da vida, colocando-o diante de uma situação alheia a sua própria existência, subtraindo coisas, lugares e indivíduos e “transferindo-os para uma esfera separada” (Agamben, 2005, p.14).
Ao fazer uma imersão netnográfica no site do Greenpeace, um dos movimentos ativistas socioambientais mais conhecidos mundialmente das últimas décadas, encontramos um link de convocação aos ciberativistas, no qual percebemos claramente a separação funcional, vista pelos próprios ativistas, entre as duas categorias. Ao que consta, a função do ciberativista é de assinar e compartilhar petições online, comentar notícias, publicar reportagens, vídeos e banners em sua rede social ou blog. Enquanto, o ativista “voluntário” responde a alguns critérios de seleção, que passam desde a localização até a disponibilidade de tempo para participação regular em eventos, reuniões e atividades em grupo. Mas se os autores que defendem o termo partem do pressuposto de que a vida esteja cada vez mais misturada entre on e off, por que a separação?
Assim sendo, é a partir dessa dicotomia que podemos questionar o termo ciberativismo enquanto dispositivo de linguagem: No raro momento em que este sujeito vai às ruas, ele deixa de ser um ciberativista e se torna ativista ou ele é os dois? E o ativista se torna ciberativista por usar a Internet para sua comunicação e propagação de ideias? Certamente, não. Contudo, há o interesse do dispositivo em controlar e orientar as ações daqueles que possuem a senha infotécnica e mesmo aqueles que não a possuem, de “seduzi-los”. O ciberativista possui e precisa da comunicação com a rede cibernética para justificar sua existência, já o ativista enquanto indivíduo “pode ser o lugar de suas múltiplas subjetivações” (Agamben, 2005).
Para entendermos um pouco mais sobre esse sujeito, contamos com a contribuição do rico mapeamento sobre pesquisas em Cibercultura no Brasil entre os anos de 2000 e 2011 de Adriana Amaral e Sandra Portella Montardo publicado no Intercom de 2012 e do artigo publicado no V Simpósio Nacional da ABCiber de Willian Fernandes Araújo que traz o estado da arte dos estudos sobre Ciberativismo no Brasil. Tais contribuições nos ajudaram a verificar em que ordem de estratégia funcional está o ciberativista, seu surgimento e os espaços que ocupa na luta e dentro da ação política.
O que diferencia o ativista, do ciberativista, do net-ativista ou do ativista digital ou online? Todos são termos semelhantes que pretendem explicar este novo movimento/comportamento do animal político em atividade na transformação da realidade político-social (talvez possamos dizer dos últimos dois séculos). Os Flamigant, do Flemish Movement, na Bélgica, descritos como os primeiros a serem chamados de ativistas em 1916, o Judicial Activism, escrito em janeiro de 1947 por Arthur Schlesinger na Fortune Magazine, as ativistas dos “16 dias de Ativismo contra a violência sexual e de gênero”, campanha lançada no final dos anos 1990 pelo Center for Women’s Global Leadership, ou mesmo as Jornadas de Junho no Brasil, descrevem o cidadão em atividade, engajado politicamente, na luta contra determinado poder. Ativismo, portanto, pode ser descrito como o engajamento político-social do sujeito na luta contra forças hegemônicas na sociedade em espaços públicos e/ou privados, movidas por um sentimento de revolta.
A ocupação dos espaços territoriais sempre foi condição sine qua non para a concretização do ativismo. No século XX o ciberespaço passa a ser visto como um ambiente propício para o engajamento. A tevê e o rádio sempre foram frutos de disputas sociais para a formação da opinião pública. Haja vista, a busca de instituições públicas, privadas, acadêmicas, não-governamentais, dentre outras por canais de tevê aberta e fechada e frequência de rádios comunitárias. Pois se acredita, assim como relata Muniz Sodré, que “eliminando-se a propriedade privada e distribuindo-se o controle dos veículos a todas as classes sociais, a manipulação passa a ser democrática, já que em sua própria estrutura os novos media são igualitários” (Sodré, 2010, p. 34-35). Contudo, o domínio dos veículos de comunicação de massa por grupos economicamente e politicamente hegemônicos alijaram os ativistas desse espaço em detrimento de seus interesses, excetuando-se a informação ou produção de conteúdo informacional.
Com a ascensão do computador e principalmente com a formação das redes telemáticas, o ciberespaço ganhou status “democrático”. Os ativistas, então, aqueles munidos de equipamentos tecnológicos e capacitados tecnicamente, passaram a usar este ambiente como nova esfera pública. Surgem, então, os sujeitos com capital cognitivo conforme (Trivinho, 2013) e com acesso à produção de conteúdo nos meios de comunicação, principalmente na Internet, aos quais muitos autores nomearam algum tempo depois de ciberativistas.
A figura do ciberativista, segundo Wolfson, surge nas revoltas Zapatistas em 1994, no sul do México, onde a comunicação e a utilização das redes midiáticas têm papéis centrais, na formação de uma nova resistência (WOLFSON, 2012). Isto é, o ativismo inserido em um novo espaço de luta, os media.
Outros relatos sobre os primeiros protestos no ciberespaço estão no trabalho de Martha Maccaughey e Michael D. Ayers, Cyberactivism: Online Activism in Theory and Practice, no qual relatam o caso da Lotus MarketPlace, um programa de banco de dados desenvolvido pela Lotus Development Corporation (desenvolvedor de software) e Equifax (provedor de informações), que foi anunciado em 10 de abril de 1990, mas cancelado em janeiro de 1991, principalmente devido aos protestos maciços que circulavam via e-mail, alegando invasão de privacidade. Os autores citam também o caso do Clipper Chip, um chip que deveria ser instalado em todos os novos telefones e que usava um algoritmo de criptografia para transmitir e trocar informações, chamado Skipjack, desenvolvido pela Agência Nacional de Segurança dos Estados Unidos da América (ANS-USA), que poderia descriptografar todos os dados transmitidos pelo telefone quando fosse “necessário”. Tal proposta provocou revolta nos usuários americanos, que utilizaram-se da rede para protestar e que contaram, posteriormente, com o apoio dos então senadores John Ashcroft e John Kerry para se opor à proposta do Clipper Chip. Para os autores, o ciberespaço, portanto, torna-se um importante fórum de discussão, debates e protestos a partir de tais eventos.
Desta forma, o “ciberativista” pressupõe um individuo que necessita do aparatos tecnológico e de sua senha infotécnica para a prática do ativismo na/ou em rede. Neste trabalho, no entanto, queremos apontar um erro de significante, a fim de propor uma reavaliação do termo que designa a atividade, do movimento e do ser no espaço/tempo. Para isso, devemos esclarecer que o ativismo é a atividade política e social praticada pelo sujeito “ativista”. Ser humano ou não, visto que teremos ao longo deste trabalho exemplos de pessoas jurídicas, organizações, instituições, grupos, etc. que constituem um corpo cuja adjetivação se assemelha à do sujeito.
É necessário dividirmos a prática ativista no seu espaço/tempo, para isso adotaremos os conceitos de local, global e glocal, identificando e delimitando seu ambiente de atuação.
No ano de 2009 cerca de 30 ativistas da América Latina, África e Ásia se reuniram em Seul para a criação da Rede de Ativismo Glocal (NGA) e a Escola de Feminismo. Esta rede adota a ideia de Ativismo Glocal por acreditar que “o enfoque glocal se refere a respostas que vinculam o local entre si e o local com o global, ao contrário dos atuais conceitos de Sul, Terceiro Mundo ou transnacional” (Fórum, 2012). Além disso, o NGA “criará um Centro de Pesquisa Teórica que criará uma agenda e teorias para apoiar o ativismo Glocal” (idem.). Eis a mudança objetiva do campo. Cabe a nós, aos pesquisadores que darão sequência a este trabalho e ao próprio NGA dar andamento à mudança subjetiva. É a partir desta proposta que nasce a ideia da proposição deste artigo.
Por meio deste artigo pretendemos discutir o termo e a ideologia do ciberativismo, tendo como pressuposto uma das hipóteses de nossa Tese de Doutorado, na qual resumidamente consideramos que o ciberativismo favoreça muito mais uma alteridade com o meio de comunicação, representado pela máquina e seus links de conexão, simulando o ativismo político no espaço virtualizado (ciberespaço) e distanciando os sujeitos dos espaços públicos reais, constituindo, desta maneira, a seguinte ideia-força na sociedade: os espaços reais da política podem ser substituídos por um espaço virtual glocalizado. Queremos, portanto, à partir da observação participante e uma imersão profunda nos ambientes pesquisados (online e offline), propôr uma nova visão para este campo epistemológico, podendo assim, contribuir com futuras pesquisas deste tema. Para isso, fundamentaremos nossos argumentos em autores como Giorgio Agamben, Atonio Negri, Michael Hardt e Eugênio Trivinho, assim como traremos o fatos do processo histórico deste fenômeno em autores como Sidney Tarrow, Jeffrey Ayres e Stefan Wray.
Palavras-chave: ativismo, ciberativismo, ciberespaço, internet, glocal.