Google e Linked in: controvérsias acerca da visibilidade e vigilância na contemporaneidade

#112

Ana Paula da Cunha Rodrigues
Rosa Maria Leite Ribeiro Pedro

O mundo do trabalho, as formas de produzir e se relacionar na esfera profissional vêm sofrendo uma série de transformações desde a revolução industrial, com o surgimento de máquinas até as novas formas de gestão. Essas mudanças têm impactado as formas de ser e fazer no mundo, sendo muitas dessas ocasionadas pelo atravessamento das novas tecnologias. As novas tecnologias que a princípio devolveriam ao trabalhador “parte do seu tempo livre”, cumprem em parte seu papel, todavia demandam também constantes reestruturações, como nos alerta Lévy (1993) exigindo uma reorganização constante e em tempo real de agenciamentos como flexibilidade, tensão e prazo. Os profissionais desse “novo” mundo do trabalho emprestam as organizações suas habilidades organizacionais herdadas da forma tecnológica como gerenciam seu trabalho, passando a incorporar os valores do mundo corporativo ao seu “self empreendedor” termo que tomaremos emprestado de Nikolas Rose (2008) que nos adverte ainda sobre a forma como esses profissionais passam a gerir suas próprias vidas com base na competição, excelência, eficiência e satisfação impactando nos modos de subjetivação.
Em abril desse ano, uma notícia nos leva a uma reflexão sobre esses modos de subjetivação na atualidade. Tomaremos a cena: “o direito de ser esquecida”, a luz dos atravessamentos da tecnologia e dos dispositivos de controle e vigilância.
Na ocasião, o Google recebe de um usuário da rede uma solicitação de esquecimento, e partir do mês seguinte a Corte Européia de Justiça decide que pessoas incomodadas tem o “direito de esquecimento” conforme convencionado. Essa Lei passa a vigorar na União Européia, segundo reportagem publicada no site globo.com. A partir de então, os usuários que solicitarem o “direito de ser esquecido” deverão preencher formulário informando os motivos para tal solicitação bem como seus dados pessoais, como nome e identidade.
O Google, ferramenta de busca, como outras redes sociais nos possibilita acesso rápido, cada vez mais veloz a informação, indiscutivelmente aproximando pessoas, diminuindo fronteiras e quebrando barreiras, ainda que com propósitos e finalidades distintas, uma característica os aproxima: a velocidade.
Todavia, se há um razoável consenso de que vivemos em um tempo de aceleração, o mesmo não pode ser afirmado sobre os efeitos que são produzidos em decorrência dessa aceleração e como o social é construindo a partir desses actantes e atores. É este um dos sentidos que nos aponta Bruno Latour ao privilegiar, no âmbito da TAR, a exploração das controvérsias:
(...) "A TAR alega que encontraremos uma maneira bem mais científica de construir o mundo social, caso nos abstenhamos de interromper o fluxo das controvérsias". (...) "A busca de ordem, rigor e padrão não é de modo algum abandonada". (...) "A TAR sustenta ser possível rastrear relações mais sólidas e descobrir padrões mais reveladores quando se encontra um meio de registrar os vínculos entre quadros de referência instáveis e mutáveis, em vez de tentar estabilizar um deles" (Latour, 2012, p. 44-45).

Nesse momento, as controvérsias são instauradas, tornando acaloradas as discussões sobre as entidades que compõem o social (Latour, 2012). Segundo o mesmo autor, adotando a metáfora da “caixa-preta” (2010) ao acompanhar a construção do social, pelas controvérsias, podemos tentar vislumbrar o que o compõe, e seu interior.
Tomando como referência as discussões acaloradas e aos objetos quentes recorremos à metáfora do magma de Venturini (2010) para discorrer sobre a cartografia das controvérsias, comparando o social ao magma no sentido de que ambos em constante transformação alternam entre seus estados líquido, sólido ou fluido no se deparam entre consensos e controvérsias. A partir da cartografia das controvérsias buscaremos compreender as realidades produzidas, considerando as incertezas que produzem estas realidades, e o caráter contingencial dos fatos que se evidencia, assim como os processos de fabricação dos coletivos (Pedro, 2010).
Nesse sentido nosso ponto de investigação recai sobre um objeto quente – a rede social Linked in - que se destina a estimular o networking, aqui entendido como a rede de relacionamentos profissionais. Nessa rede os usuários registram os dados de sua trajetória profissional, como formação acadêmica, experiência profissional, contemplando datas de entrada e saída na empresa, cargos ocupados, realizações profissionais, principais competências, conhecimentos, domínio de idiomas, dentre outros. Uma vez cadastrado na rede social, o usuário começa a criar sua rede de relacionamentos, convidando usuários que conheça ou tenha algum interesse profissional em conhecer. Além desse objetivo, o Linked in disponibiliza uma outra ferramenta em que as pessoas que integram a rede de relacionamentos do usuário são estimuladas a fazer recomendações sobre aspectos ligados a conhecimentos técnicos e ou comportamentais que identifiquem o usuário, tais como: habilidade gerencial, conhecimento de um software ou idiomas. Nessa opção denominada “endorse” ou “recomenda” , o usuário cadastrado é avaliado por sua rede e tem a possibilidade de ter suas competências reconhecidas, com a finalidade de dar visibilidade das competências do profissional por cada profissional que acesse a rede.
Ao seguirmos as pistas dessa rede social profissional o Linked in, nos deparamos com uma questão que pode ser problematizada, a saber a questão da visibilidade. A rede que me dá visibilidade e me autoriza a assumir tais e tais cargos, já que muitos processos seletivos hoje são feitos com base nas informações disponibilizadas nessa rede, me empodera de determinadas competências, reconhecidas por antigos empregadores, também amplia a visibilidade de minha trajetória profissional por qualquer usuário cadastrado. Se por um lado, podemos acelerar nossos contatos, numa tentativa de atender a demanda de velocidade dos modos de gerar e gerir relacionamentos, de outro lado uma controvérsia se apresenta, a questão da vigilância.
Se a ferramenta do Linked in nos possibilita agir integrado com aos valores ditados pelo mercado de trabalho, a velocidade das informações, e o desempenho, essa mesma rede nos impõe uma falta de limites, uma vez que passa a ser vista pelas organizações como mais uma ferramenta de controle e possibilidade de uso das informações que constam nas redes individuais, de cada profissional. E o que perecia estar na ordem do singular, uma vez que o indivíduo cria seu perfil, descreve sua trajetória profissional, cadastra suas informações, passa a pertencer ao coletivo. E o perfil profissional, além de poder ser acessado por uma qualquer um, passa a ser uma ferramenta que interessa as organizações, pela possibilidade de acesso a rede de relacionamentos do profissional com outras finalidade que não apenas a inicial: fazer networking. Para além dessa finalidade, gestores e demais colegas de trabalho passam a solicitar ao indivíduo integrar a essa rede, com objetivos outros como fazer negócios, divulgar produtos e serviços, desfazendo a necessidade do panóptico foucaultiano. Nesse ponto a vigilância parece já ter sido internalizada, pois esse aplicativo favorece determinadas dinâmicas entre a seara da vigilância e do controle, impactando os modos de ser, estar e fazer no mundo.
Em diálogo entre Lyon e Bauman (2013), os autores retomam o panóptico foucaultiano para descrever os empregados desse novo mundo do trabalho, em que os profissionais passam a carregar em seus próprios corpos seus panópticos pessoais utilizando a metáfora dos caramujos que transportam suas casas. Da mesma forma esses empregados do novo mundo do trabalho, descrito pelos autores como o admirável mundo líquido moderno, transportam seus celulares e iPhones mantendo-se permanentemente ligados e tornando-os a disposição da empresa.
Nesse sentido, acompanhar esses processos seja no caso do Google, em que temos a questão do “direito de ser esquecido”, e também o Linked in pela “necessidade de ser lembrado”, explorando o que parece ter de controverso nisso, uma vez que podem ao mesmo tempo potencializar o trabalho, dar visibilidade, e estabelecer novos contatos profissionais, apresenta-se como uma possibilidade de problematizar as temáticas trabalho e vigilância na atualidade, bem como suas ressonâncias em termos de produção de subjetividade.

Palavras-chave: controvérsias, vigilância, visibilidade, redes, relacionamentos.

Referências Bibliográficas
Bauman, Z. (2013). Vigilância Líquida: diálogos com David Lyon/ Zygmunt Bauman ; tradução Carlos Alberto Medeiros. – Rio de Janeiro: Zahar.
Ferreira, A. & Freire, L. & Moraes, M. & Arendt, R.(Orgs.). (2010). Teoria Ator-Rede e Psicologia. Rio de Janeiro: NAU.
Globo (2014). Google exclui só 53% dos links de pedidos ao 'direito de ser esquecido'. Recuperado em 31 de julho de 2014 de http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2014/07/google-exclui-so-53-dos-links-de-pedidos-ao-direito-de-ser-esquecido.html.
Latour, B. (2012). Reagregando o Social: uma introdução à teoria do ator rede. Salvador: Edufba; São Paulo:Edusc.
Lévy, P. (1993). As tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na área da informática. Rio de Janeiro: Ed.34.
Rose, N. (2008). Psicologia como Ciência Social. In Psychology as a Social Science Public Lecture Series 2006/7. Essex, UK.
Venturini, T. (2009). Diving in magma: how to explore controversies with actor-network theory . Recuperado de http://pus.sagepub.com/content/19/3/258.