Privacidade, anonimato e liberdade na eclosão da Sociedade de Controle.

#86

Luiz Filipe da Silva Correia

O trabalho que será mostrado no III Simpósio Internacional LAVITS, se apresenta como um desdobramento da minha pesquisa de Doutorado, em andamento pelo Programa de Pós Graduação em História Social da Universidade de São Paulo. Nesta pesquisa analiso de uma perspectiva histórica a transição de uma cultura dita analógica para uma cultura material tomando como ponto de partida manifestos artísticos, políticos e tecnológicos publicados entre os anos de 1980 a 2001.
É principalmente a partir da década de 1990 que as tecnologias informacionais trespassam de maneira capilar os mais diversos aspectos da vida cotidiana. Reconfigurando não apenas as noções de tempo e espaço mas também comportamentos, costumes e hábitos.
Ainda no começo da década, em 1992, o filósofo francês Gilles Deleuze demarcou a base que sustentaria essa nova composição da experiência cotidiana o Controle. O controle tecnológico exercido sobre os indivíduos conduz a uma ampliação do saber sobre eles e foi elaborado a partir de sistemas encadeados de forma a serem aceitos como normalidade, produzindo hábitos de vida, transformações no corpo e na subjetividade. Essa ordenação da experiência cotidiana acabou por suscitar debates que abordavam questões que envolviam o Real vs. Virtual, tema bem em voga nos anos 1990, mas a experiência prática acabou se diluindo em meio ao processo de massificação das tecnologias informacionais.
O controle aparece também nos discursos de segurança, com a difusão de aparatos para de rastreamento digital com o propósito de impedir atos de terrorismo além das câmeras de vigilância espalhadas pelas cidades para garantir o bem estar dos "cidadãos-de-bem".
Assim, as fronteiras que envolvem as questões a cerca da privacidade, da liberdade e segurança se tornam cada vez mais tênues e atualmente, vivemos em uma sociedade onde todos podem ser potencialmente vigias e vigiados uma vez que as práticas de vigilância e técnicas de controle se alastram sobre todos os domínios da experiência cotidiana.
Em dois mil e treze as denúncias de Edward Snowden que tornaram públicos os detalhes de vários programas estadunidenses para vigilância e espionagem global tomaram de assalto às páginas dos jornais e deixaram muitas pessoas perplexas.
No mesmo ano, os resultado preliminares de uma pesquisa que analisa "os contratos de privacidade para utilização de serviços de e-mail, de armazenamento de dados e redes sociais, e das exigências de privacidade por parte de grupos ativistas" (Kanashiro et al., 2013) mostram uma reconstrução e um deslocamento no conceito de privacidade. Vivemos em um universo "muito distante da privacidade moderna, e muito mais relacionado as apostas e a competição" (idem). Diante deste quadro, uma questão fundamental é compreender os discursos, forças e práticas que hoje disputam pelo sentido, valor e experiência da privacidade. (idem)
Em minha apresentação pretendo fazer uma análise comparativa entre três manifestos publicado ao longo da década de 1990: "A Sociedade Industrial e Seu Futuro" - Manifesto Unabomber (1995), "The Crypto Anarchist Manifesto" (1992), "A Cypherpunk's Manifesto" (1993). Esta opção deu-se pelo fato dos manifestos muitas vezes contarem com uma elevada visão analítica de mudança de mundo (Hobsbaw, 2013, p.21), além de refletirem os temores que alguém nutre pelo presente e suas esperanças para o futuro" (idem, p.20).
A partir destes manifestos almejo analisar historicamente como a noções de privacidade já estavam postas em questão na eclosão do que convencionou-se chamar sociedade de informação. Como exemplo é possível citar a primeira linha do Manifesto Cypherpunk:

"Privacy is necessary for an open society in the electronic age. Privacy is not secrecy. A private matter is something one doesn't want the whole world to know, but a secret matter is something one doesn't want anybody to know. Privacy is the power to selectively reveal oneself to the world."

Também de 1992, o Manifesto Crypto Anarquista afirma que a revolução prometida pelos computadores só poderá ser realizada a partir do momento que mecanismos como a criptografia possam proporcionar o anonimato na rede:

"Computer technology is on the verge of providing the ability for individuals and groups to communicate and interact with each other in a totally anonymous manner. Two persons may exchange messages, conduct business, and negotiate electronic contracts without ever knowing the True Name, or legal identity, of the other"

No ano de 1995 após uma uma série de atentados a bomba e ameaças vem a público em 19 de setembro aquele que ficou conhecido como Manifesto Unabomber, escrito pelo então professor de Harvard Theodore John "Ted" Kaczynsk. O manifesto apresenta críticas radicais ao desenvolvimento tecnológico das sociedades ocidentais, aos mecanismos de controle e a restrição das liberdades individuais através da vigilância eletrônica.
É possível perceber que em cada um desses três manifestos as concepções de privacidade, liberdade e anonimato estão relacionadas com a emergência de uma nova configuração cultural influenciada pelas tecnologias informacionais e de controle. Pretendo aprofundar essas questões a partir de uma perspectiva histórica e desta forma colaborar para este debate cada vez mais relevante nos dias atuais.
Para abordar esses temas irei me apoiar em discussões presentes nos trabalhos de Deleuze, 2000; Lyon, 2003; Sennett, 1999; Rushkoff, 1994, entre outros.

Palavras-chave: cultura digital, manifestos políticos, sociedade de controle, história.

Referências:
Crypto Anarchist Manifesto" (1992). Recuperado em 01 de março de 2013 de http://www.activism.net/cypherpunk/manifesto.html.
Deleuze, G. (2000). “Post-scriptumdas sociedade de controle”. In Conversações, 1972-1990. Rio de Janeiro, Editora 34.
Hobsbaw, E. (2013). Tempos Fraturados. São Paulo: Companhia das Letras.
Ludlow, P. (Ed.). (2001). Crypto Anarchy, Cyberstate, and Pirate Utopias. Cambridge: MIT Press.
Lyon, D. (2003). Surveillance as social sorting: privacy, risk, and digital discrimination. Psychology Press. New York: Routledge.
Manifesto Unabomber. (1995). A Sociedade Industrial e Seu Futuro. Recuperado em 23 de novembro de 2014 de https://n-1.cc/file/download/1708759.
Rushkoff, D. (1994). Cyberia Life in the Trenches of Hyperspace. 1994.
Santos, L. (2003). Politizar As Novas Tecnologias: o impacto socio-técnico da informação digital e genética. Rio de Janeiro: Editora 34.
Sennett, R. (1999).O declínio do homem público: as tiranias da intimidade.São Paulo: Companhias das Letras.
Sevcenko, N. (2001). A corrida para o século XXI: no loop da montanha-russa. São Paulo: Companhia das Letras.
Silva, E. (2006). O Corpo na Transversal do Tempo: Da Sociedade Disciplinar à Sociedade de Controle ou da Análitica de "Um corpo que cai" (Tese de doutorado). Doutorado em Ciências Sociais, Pontifica Universidade Católica de São Paulo. São Paulo.
The "A Cypherpunk's Manifesto" (1993). Recuperado em 01 de março de 2013 de http://activism.net/cypherpunk/crypto-anarchy.html.