Vigilância e controle dos afetos no trabalho: a gestão do capital emocional

#91

Daniel Pereira Andrade

Desde a década de 1990, diversos especialistas do mundo corporativo apresentam as emoções como elemento decisivo na competição entre empresas e anunciam que as competências emocionais são o diferencial capaz de definir o sucesso ou o fracasso de uma carreira profissional. Ressaltam que a racionalidade pura dos agentes econômicos, de trabalhadores e de consumidores é uma ficção, um mito da filosofia e da cultura ocidentais, que mais atrapalha do que ajuda na compreensão dos fenômenos econômicos e na administração de pessoas nas organizações e no mercado. Juntamente com essas afirmações, discute-se amplamente o que são as emoções e como elas podem ser (auto) geridas para se obter desempenhos mais eficientes e se alavancar os ganhos econômicos. Constituiu-se, assim, a concepção do homem econômico emocional com todo um conjunto de dispositivos de poder para vigiá-lo e administrá-lo como tal. Concepção que emergiu no discurso do "management" americano e se difundiu posteriormente pela teoria econômica neoliberal, especialmente por meio da concepção de “capital emocional” e de outras categorias análogas que convertem as emoções em uma competência a ser gerida.
O objetivo deste trabalho é fazer uma genealogia do homem econômico emocional atrelado ao capital emocional. Analisando os textos que definem o que é o capital emocional (Thomson, 1998; Gendrom, 2004) e as categorias análogas de capital pessoal (Tomer, 2003) e de capital psicológico (Luthans et al., 2006, 2007; Luthans & Youssef, 2004; Luthans & Youssef & Avolio, 2007), procura-se compreender como estes conceitos emergem e são problematizados e geridos pelo management.
Tal história contribui não apenas para a compreensão de uma mudança da concepção do homem econômico ao introduzir o elemento emocional nesse sujeito calculista e racional. Como a concepção de homem econômico emocional incide sobre a gestão de trabalhadores e consumidores, os dispositivos de poder do management constroem a vida emocional dos indivíduos atrelando-a a objetivos corporativos. Contribui-se, assim, para uma história do poder emocional, ou pathospoder, e da transformação das maneiras de sentir nas sociedades contemporâneas.
O que é designado por pathospoder é uma espécie de biopoder, ou seja, uma subsunção da vida pelo poder, mas de caráter diferenciado por visar o corpo em um aspecto particular. Michel Foucault (2000a) aponta para duas dimensões do corpo que seriam alvo do biopoder: o organismo individual dotado de capacidades a ser disciplinado; e os fenômenos globais próprios à vida de uma população a serem regulados. O pathospoder constitui uma terceira dimensão, irredutível às outras duas, pois age sobre o corpo individual e/ou coletivo visando sua dimensão perceptiva [feeling dimension], suas sensações e emoções. É o corpo vivo enquanto corpo sensível que está na mira. As experiências vividas do sujeito e suas expressões exteriores são o alvo a ser gerido pelos mecanismos de poder emocional. O pathospoder também atua de modo a construir subjetividades assujeitadas, estruturando e restringindo o campo das experiências e ações possíveis, mas produzindo no sujeito a sua própria volição. Ainda que esse dispositivo possua a sua singularidade enquanto biopoder, ele não deixa de por vezes se cruzar com outros poderes para instituir uma determinada ordem.
O pathospoder não é homogêneo, ele possui uma longa e variada história que está associada a diferentes concepções gerais sobre a vida emocional que constituem diversos dispositivos de poder. As problematizações sobre a emoção humana, ao explicarem o que ela é, quais são as suas fontes causadoras, como ela se relaciona com as demais faculdades da mente e com o corpo e como ela determina as condutas, estabelecem formas de poder emocional inseparáveis do governo do homem e da sociedade. Cada concepção geral sobre a vida emocional está ligada a um estilo de intervenção, com determinados objetos, técnicas, finalidades e regras emocionais e expressivas que incidem sobre emoções específicas ao avaliar e estabelecer o quê, quando e como se deve sentir e/ou manifestar emocionalmente .
É, portanto, uma parte dessa história do pathospoder que aqui se pretende contar ao analisar os dispositivos associados à noção de capital emocional. As características principais do conceito de capital emocional são quatro. Primeiro, compreende-se que as emoções são importantes na definição dos comportamentos econômicos no trabalho e no consumo, afetando o sucesso das carreiras individuais, o desempenho das organizações e o crescimento macroeconômico. Segundo, as emoções são consideradas competências que podem ser desenvolvidas, e que, portanto, podem receber investimentos prévios de modo a gerar rendimentos e satisfações futuras. Com isto, as emoções são convertidas em um capital, mais especificamente, em um subtipo (capital emocional) ou em um componente de um subtipo (capital pessoal e capital psicológico) de capital humano, o qual se contrapõe e ao mesmo tempo estabelece relações complexas com outro subtipo de capital humano, o capital intelectual. Terceiro, o investimento nas competências emocionais é feito por meio de um cuidado de si designado pela Inteligência Emocional e pela sua aplicação ao mundo corporativo. Quarto, o investimento em capital emocional pode ser feito não apenas pelo próprio sujeito econômico, mas também pela empresa. O investimento empresarial se direciona para o público interno (trabalhadores) ou para o público externo (consumidores), remetendo a outros dispositivos de gestão emocional que antecedem a Inteligência Emocional, mas que se compõem com ela, como a cultura organizacional e a comercialização de experiências.
A Inteligência Emocional permite um controle sobre a subjetividade dos trabalhadores ao lhes responsabilizar pela produção de emoções positivas (motivação, comprometimentos, entusiasmo, etc.) e de sentimentos morais (cooperação, solidariedade, empatia, confiança, lealdade, etc.) considerados indispensáveis na nova organização produtiva, mas cujas condições de possibilidade são minadas pela própria organização flexível e precarização do trabalho. Os trabalhadores são igualmente responsabilizados por emoções negativas, como ansiedade, medo, agressividade, apatia, depressão e sofrimento, vistos agora como falta de investimento prévio na sua inteligência emocional e em capital humano. As emoções, vistas como competências desenvolvidas por meio de investimentos prévios em capital humano, são convertidas em um novo tipo de capital. A concepção de capital emocional promove a intensificação e a superação permanente de determinados modos afetivos de ser como uma forma de acumulação capitalista, vinculando o fluxo emocional ao fluxo de capital e gerando uma superação incessante dos próprios limites experienciais. Essa nova lógica da gestão emocional no mundo corporativo, indissociável da renovação da própria psicologia, produz efeitos consideráveis na separação entre o que é normal e patológico, gerando uma inflação permanente da nosologia de transtornos mentais ao relacionar saúde com competências emocionais.

Palavras-chave: vigilância, controle, capital emocional, pathospoder.