Vigilância e Monitoramento: efeitos micro e macro

#29

Willian Washington Wives

Esta proposta, analisará a questão da violação de privacidade como desmotivadora do exercício de práticas legais, primariamente a liberdade de pensamento e expressão, os chamados Chilling Effects, de acordo com as perspectivas das revelações de violação de privacidade em larga escala por governos do mundo.
As violações de privacidade são temas difíceis de serem tratados, pois lidam com bens e valores intangíveis, como a sensação de segurança, a honra e a intimidade. Diversos argumentos ruins também dominam a situação, principalmente a lógica que diz que se alguém não tem nada a esconder então essa pessoa não deve ter medo de ter sua privacidade violada em bem de uma segurança maior, ou de que se não existe um dano concreto então uma violação da privacidade por si só não deveria ser punida. Essas são lógicas erradas, porém para leigos no assunto elas parecem corretas, portanto, são necessários argumentos para desconstruí-las.
Solove (2008) analisa como situações de violação de privacidade nos EUA foram mal solucionadas pelo sistema jurídico. As decisões jurídicas favoráveis às violações argumentaram que não era possível provar dano concreto, logo a parte requerente não teria direito a nenhuma restituição. Segundo Solove os danos causados por violações de privacidade são difusos e tem o potencial de gerar um sentimento de impotência dos cidadãos perante a forças maiores, sejam elas governamentais ou extra governamentais.
Nesse artigo propõe-se estudar as implicações das revelações de violações de privacidade em larga escala por entidades governamentais de diversos países do mundo. Essas implicações serão estudadas sob a perspectiva dos seus efeitos, com um foco sobre o potencial inibidor do exercício de direitos, os chamados na literatura de Chilling Effects, outros efeitos serão estudados, como as consequências diplomáticas na política internacional e as implicações da tecnologia no mundo após as revelações de Snowden. O estudo também se guia pelo princípio de desconstruir as falácias dos argumentos pró violação de privacidade.
Os Chilling Effects inibem a liberdade de expressão e transmissão de informações, seja por medo de sanções legais, quanto por medo de sanções fora do sistema legal, como intimidação, perseguição, entre outros. Um sentimento difuso de que autoridades públicas poderiam ter acesso a qualquer documento ou registro de conversa pode inibir a discussão política livre em uma sociedade e dessa maneira gerar imobilismo político. A privacidade pessoal e das comunicações garante que os cidadãos possam ser livres para ter suas ideias políticas e livres para disseminá-las.
As revelações de violações de privacidade em larga escala colocaram em ação diversos movimentos, alguns opostos. Por um lado governos espionados agiram no sentido de defender melhor suas atividades online, retirando serviços baseados nos EUA e em países que praticaram as violações. Por outro, tecnologias de encriptação em produtos de consumo estão ficando cada vez mais comuns, como encriptação por padrão em celulares e HDs de computadores e novas opções de proteção de dados. Os custos para os países violadores, principalmente os EUA, foram muito grandes, com perda de negócios, perdas diplomáticas e, principalmente, perda de confiança.
Do ponto de vista da ciência política analisar esses fenômenos implica abarcar uma perspectiva maior de direitos e liberdades democráticas. O Estado de Direito não pode se manter sem suas salvaguardas, entre elas a liberdade de pensamento e a liberdade de circulação das ideias. A possibilidade de violações constantes à privacidade ameaça essas liberdades, pois impede que ideias contrárias ou divergentes ao sistema sejam debatidas de maneira livre. Essas violações também aumentam os custos, operacionais e sociais, daqueles que desejam debater posições desviantes. Em países onde ocorrem violações de direitos humanos as novas ferramentas de vigilância inibem denúncias e dessa maneira são barreiras à mudanças, sejam elas institucionais ou por fora do sistema. Em países democráticos a vigilância e a censura pode se tornar uma ferramenta para grupos se manterem no poder, calando dissidentes e impedindo discursos contrários.
O aumento das capacidades de vigilância de atores governamentais não veio acompanhado de um aumento de seus mecanismos de controle e transparência. Isso possibilita o aumento de abusos e de utilizações das ferramentas de maneira contrária à ética. Os abusos podem ser cometidos tanto pelos detentores do poder politico quanto pelos operadores meramente técnicos, como recentes denúncias demonstraram. A solução para a manutenção das garantias civis de liberdade de pensamento e expressão tem de necessariamente passar pela construção de mecanismos de accountability mais adequados às capacidades tecnológicas atuais.
Os efeitos aqui mencionados, não se restringem aos países alvos de denúncias. A redução dos custos das ferramentas de vigilância e monitoramento permite que diversos governos as usem de maneira indiscriminada. Os chilling effects também se tornam globais na medida em que minam a confiança na segurança e liberdade dos meios de comunicação.
Países plenamente democráticos como os EUA e o Reino Unido acabaram dando maus exemplos para países não democráticos, como o Irã e a Rússia, de maneira que eles pudessem aumentar suas atividades de monitoramento de seus cidadãos com desculpas de estarem os defendendo de espionagem estrangeira. Os efeitos podem ser ainda maiores; o Irã planeja criar uma Intranet Estatal e se desconectar do restante da Internet; a Rússia planeja obrigar a todos os serviços de Internet que tenham dados de russos a terem servidores na Rússia, com o pretexto de assim garantir a segurança de seus cidadãos. Até mesmo no Brasil foi-se discutido a possibilidade de obrigar serviços estrangeiros a guardarem os dados de brasileiros no território nacional. Essas possibilidades são assustadoras, pois reduzem como um todo a capacidade da Internet de conectar diferentes pessoas ao redor do planeta de maneira igualitária; reduzem também a competitividade ao dividir mercados e obrigar empresas a investir em servidores caros e ruins em territórios com poucas garantias democráticas. Esses são considerados chilling effects para a área de inovação.
Esse trabalho analisará as implicações dos chilling effects da escala individual para a global, com foco em desconstruir os argumentos a favor da redução da privacidade individual. Para tal fim, serão analisadas as possibilidades e os cenários aqui citados, de maneira que a questão das violações de privacidade fique clara e que suas implicações para a democracia e as liberdades sejam plenamente conhecidas.

Palavras chave: vigilância, privacidade.

Referências bibliográficas:
Solove D. J. (2008). I’ve got nothing to hide’ and other misunderstandings of privacy.