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Paulo Eduardo Assis Maia
Marta de Araújo Pinheiro
As revelações de espionagem norte-americana pelo ex-agente da NSA (National Security Agency), Edward Snowden (2013), propõem um amplo debate em torno da garantia dos direitos civis de privacidade e liberdade na rede. Tal fato reflete na discussão das formulações de políticas públicas que atuam como dispositivos para garantir às pessoas o direito à segurança na rede, no caso do Brasil, o Marco Civil da Internet (2014). Este artigo tem por objetivo entender como se deu a associação dos casos da revelação de espionagem e a votação da política de regulamentação da Internet no país, nas publicações do jornal O Globo. A proposta é tentar visualizar como se posiciona o Estado brasileiro neste contexto de discussão, como se estabelece a discussão sobre regulamentação e vigilância no país, levando-se em conta a iniciativa do Governo brasileiro em oferecer uma resposta ao Governo norte-americano sobre a quebra do sigilo das informações. A análise se propõe fundamentada por uma discussão teórica que envolva os conceitos de segurança na rede, vigilância e privacidade. Para tanto, foi realizado um levantamento sobre as reportagens publicadas no periódico citado, em sua plataforma online, no período entre junho de 2013, quando se iniciou a publicação das denúncias de espionagem pelo jornal The Guardian, até abril de 2014, quando o Marco Civil foi sancionado pela presidente Dilma Rousseff na abertura do NET Mundial, em São Paulo (SP). De caráter multissetorial, o evento reuniu pesquisadores e representantes de instituições, entidades e de governos de todo o mundo para a discussão sobre os princípios de governança da Internet e o estabelecimento de um roteiro de evolução futura.
No período estabelecido para consulta, é possível elencar fatos em relação a ambos os casos: o monitoramento de ligações de celulares pessoais de chefes de Estado, como a presidente brasileira Dilma Rousseff e a primeira ministra da Alemanha Ângela Merkel; a espionagem de dados da empresa brasileira Petrobras, o discurso da presidente Dilma na abertura da Assembleia da Organização das Nações Unidas (ONU), condenando a espionagem de nações amigas e cobrando a criação de um marco regulatório internacional para a rede; a recusa da própria presidente em fazer uma visita aos Estados Unidos da América (EUA) com honras de chefe de Estado; a cobrança de explicações pelo Ministério das Relações Exteriores brasileiro. Além destes, as reportagens destacam a tramitação do Marco Civil da Internet no Congresso e o embate de forças dentro das casas legislativas durante as votações. Tais acontecimentos justificam o caráter deste trabalho para se tentar pensar acerca das relações globais amparadas pelo ambiente da rede, principalmente levando em conta a garantia dos direitos de privacidade.
Hart, Jin & Feenberg (2014) dissertam sobre o papel que o Estado assume nas estratégias de controle da Internet e de como ele é desafiado a pensar sobre espaço, soberania e segurança (Saco, 1999).
Sobre a necessidade de estabelecer um sistema de vigilância que se consolide pela quebra da criptografia e o desenvolvimento de alternativas para coleta de informações, a justificativa dada pela NSA é a de que a Internet passa a apresentar áreas de vulnerabilidade e, consequentemente, ameaças em potencial. O governo passa, portanto, a contar com acesso a uma fonte de dados de indivíduos nos EUA e no mundo, e a oportunidade de vigiar atores maliciosos. (Hart, Jin & Feenberg, 2014). Chandler (2008) observa que a pressão por detectar e antecipar planos terroristas é forte. O aumento da vigilância se dá, segundo o autor, como uma “resposta previsível a um ataque terrorista”. Constrói-se, portanto, uma retórica de segurança, sob a qual se diz ser necessário “proteger os cidadãos cumpridores da lei, visando criminosos e terroristas” (idem, 2014).
Considerado como um poderoso motivador ideológico por Der Derain (apud Hart, Jin & Feenberg, 2014), o discurso de segurança nacional é questionado por um grupo de adeptos à criptologia, observando que “o valor da vigilância de toda a sociedade na prevenção ao terrorismo não é clara, mas a ameaça que tal vigilância coloca à privacidade, à democracia e o setor de tecnologia dos EUA é facilmente perceptível” (Abadi apud Hart, Jin & Feenberg, 2014).
A tentativa de controlar o desenvolvimento da computação em rede refletem, segundo Hart, Jin & Feenberg, um desejo de garantir o que é central para a segurança do Estado, a normalização da sociedade e do funcionamento produtivo. Os autores utilizam o conceito de governamentalidade, de Foucault, pensando a vigilância como um instrumento de se “conhecer a população, tornando-a calculável e administrável” (Hart, Jin & Feenberg, 2014). O processo de vigilância não influencia somente a ação do Estado, mas também na forma como as pessoas pensam de si. Já Haggerty & Ericson (2006), afirmam que a vigilância é central para a função administrativa de segurança e aplicação da lei, estabelecendo categorias para constituir populações de indivíduos, organizações e instituições e consequentes aplicações de medidas de segurança para garantia de sucesso econômico.
No Brasil, a regulamentação da Internet engloba três eixos, levando em conta a discussão que se estabeleceu para a sua formulação: liberdade de expressão, neutralidade da rede e privacidade. Proposta levantada inicialmente em 2007 pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), o Marco Civil da Internet foi incentivado pelo Ministério da Justiça em 2009, quando foi convocada pela Secretaria de Assuntos Legislativos a primeira fase do processo colaborativo para a construção do marco regulatório. Em 2011, entrou na Câmara dos Deputados como um projeto de lei, enviado pela presidente Dilma Rousseff. Com as revelações da espionagem norte-americana e a fim de propor uma resposta, foi publicado no Diário Oficial da União do dia 11 de setembro de 2013 uma mensagem para a votação do dispositivo em regime de urgência, sob pena de trancamento da pauta do casa legislativa. Foram 29 adiamentos da votação do Marco Civil até ser votado no dia 25 de março de 2014. Posteriormente, passou à apreciação do Senado federal e foi votado em 23 de abril, inclusive recebendo críticas de senadores oposicionistas pela pressa em votá-lo. Foi sancionado na abertura do NET Mundial pela presidente, sendo inclusive elogiado pelo criador do World Wide Web (WWW), o físico britânico Tim Bernes-Lee, que o classificou de exemplo para o mundo (O Globo, 2013).
Em observação aos princípios de garantia da privacidade, Silveira (2014) aponta dispositivos dentro do Marco Civil da Internet que visam à defesa de direitos da inviolabilidade de informação e armazenamento de dados sem o consentimento. O autor demonstra os artigos 7, que expõe vedações à violação da privacidade, e no artigo 14, que veda às operadoras de telefonia e provedores de conexão armazenar os dados de navegação. No entanto, ele também denuncia alguns pontos contraditórios dentro da lei, que foram possibilitados graças à ação das “forças vigilantistas”. No artigo 15, ele aponta uma abertura para a violação da privacidade, por ordenar que provedores de aplicações de internet armazenem os dados de usuários pelo prazo de seis meses. O autor considera que o armazenamento destes dados por empresas como o Facebook, Google, Twitter garante o agrupamento de informações por categorias, que podem ser vendidas aos “interessados em modular nossos comportamentos” (Silveira, 2014).
Com base nos conceitos apresentados, busca-se, neste artigo, entender como se deram os processos de discussão sobre a privacidade dos usuários na rede e de que forma o Estado intervém neste sentido, principalmente ao usar de um dispositivo de segurança como forma de propor uma resposta à violação de dados pelo governo dos Estados Unidos (EUA).
Palavras-chave: internet, marco civil da internet, privacidade, vigilância.