A CORDA: poética micropolítica institucional

#78

Paola Zordan

Em uma conversa, Michel Foucault é questionado sobre a vida acadêmica, o qual trata a partir da exclusão dos estudantes universitários da vida real (2010, p.15-16). O problema desse sistema de isolamento é que esse tira as forças do estudo e as dá para uma vida universitária de ritos iniciáticos (avaliações, bancas examinadoras) e teatralizações (colações de grau e outras pompas). Os estudantes, mesmo o proletariado que ele observou estar chegando à Universidade francesa nos anos 1970, são reabsorvidos socialmente no mercado de trabalho aptos a reproduzirem o modelo burguês capitalista, cuja vida universitária os faz, apesar de alguns momentos contestatórios, assimilar. Na medida em que garantem sujeitos aptos a manterem a sociedade, em todos seus aspectos funcionando, Escolas e Universidades foram instituídas para propagação de aparelhos de Estado. Como ato de resistência buscamos uma micropolítica institucional que favoreça o trânsito de produções qualificadas por sua força poética, permitindo outra qualificação para a “produção intelectual qualificada” que pauta o atual mérito dos pesquisadores para estarem ou não aptos a proventos, fomentos e outras facilidades. O que aqui se apresenta embora pertença, por aprovação do projeto, à área da Educação, faz borda com a Arte, ainda que sem reconhecimento dentro de seus sistemas e mercados específicos. Seja por confundir definições de científico, técnico, artístico, seja na dificuldade de enquadramento em nichos de conhecimento reconhecidos, seja pelo seu estranhamento dentro do próprio campo ou ainda por excesso de empiria, seja por seu desenvolvimento dentro de ateliês, oficinas, laboratórios, seja pelo tempo vivido pelo pesquisador dentro das escolas básicas, a proposta se afirma como poética e micropolítica, mesmo quando rejeitada pelos agentes autorizados a legitimarem suas produções.
Em Vigiar e Punir aprendemos que o poder só pode ser analisado nos mecanismos pelos quais se faz exercer, sendo por eles que compreendemos o modo pelo qual a sociedade define o que é certo e o que é errado, legal e ilegal e “como ela exprime todas as infrações e todas as transgressões feitas à sua lei” (Foucault, 2010, p.32). A vigilância, os juízos e as punições são exercidos sobre os corpos: esse com suas “submissões ativas”, aguardando pareceres favoráveis, encontra-se a mercê de julgamentos que o inserem ou o repelem, ejetando suas forças dos espaços políticos e das relações de poder. A obtenção de credenciais, as escolhas, as seleções, distribuições de víveres e vagas envolvem aquele poder insignificante exercido no árbitro sobre “pequenas desordens de conduta” (Foucault, 2010, p.214). O que vivemos em instituições educativas como a Escola e a Universidade, na segunda década do século XXI, se contextualiza na genealogia de Michel Foucault, sendo os dispositivos em jogo desde o final do século XVIII o que permite se compreender a formação das instituições modernas, a emergência do biopoder nos governos e a idealização da vida acadêmica. A fim de mostrar como se faz o plano conceitual e compositivo diagnosticado no desenho de uma paisagem institucional seguimos uma perspectiva micropolítica, a qual estuda os aparelhos de captura estudados pela esquizoanálise de Gilles Deleuze e Félix Guattari. O que se quer é movimentar o que esses autores chamam uma “máquina de guerra” a fim de implodir a separação entre forças de trabalho intelectuais e corpóreas, em especial na subjetividade feminina, em sua clausura e escape. Análise de algumas formas históricas de dominação trazem o corpo e o trabalho de mulheres, especialmente professoras e artistas, como principal elemento de uma investigação que desenvolve ações artísticas. A problematização das submissões analisadas se estrutura junto a poéticas propostas para acontecerem dentro das instituições educacionais, sendo o corpo das próprias pesquisadoras e as criações dos pesquisadores, envolvendo instalações, performances, criação de figurino e coreografias, o material a constituir os documentos que se investiga.
Entre vários projetos, destacamos a ação performática denominada A CORDA. O cacófato entre o pronome e o substantivo que designa o objeto confundem o sentido da palavra, que se confunde com a forma imperativa do verbo acordar, cuja palavra, com sonoridade homônima, por sua vez, também tem dupla significação: acordar derivado de acordo, implicado com um sentido contratual e o acordar sinônimo de despertar. Acordar de um sono (instinto) e o acordar de cláusulas contratuais (instituição). A CORDA, uma vez atravessando o edifício de uma instituição, tende a significar os laços, os liames mágicos entre as pessoas e o Estado que as abriga, oferecendo ensino gratuito. Esse Estado distribuí poderes e manipula rendimentos dentro de uma organização seja difusa, com estruturas por demais compartimentadas (secretarias, órgãos e departamentos) e de complexo funcionamento. O poder que nele circula se exerce por muitos meios, pessoas, regras e leis, mas, principalmente, nos corpos ao poder sujeitos. Abstrato, o poder não se confunde com as extensões territoriais de um Estado, pois o Estado, mesmo que representado pela instituição pública, funciona como aparelhagem. Poder que mesmo sem uma personificação, imparcializado e atenuado num aparelho jurídico, condena e contabiliza pessoas para o Estado. Mesmo se situado no Estado, o espaço, não é contado e sim vivido. Espaço que se localiza num corpo, corpo que vive, transita, trabalha. Diferentes tipos de espaços estão implicados na nossa vida; o espaço público e as redes que o estabelecem, por se ligar ao Estado, amarra pessoas, aprisionando sua força de trabalho e de mendicância, no funcionamento do Estado. A situação dos corpos nas instituições é o que, com estudos foucaultianos, tratamos. Pensando os “efeitos de poder que nos unem, nos atam” (Foucault, 2010, p.229), nos detemos em produções poéticas que mostrem as amarras institucionais, tratando de ortodoxias comportamentais que envolvem professoras artistas. Para tanto, se propõe práticas corporais de cunho performático, como a manifestação A CORDA inspirada no trabalho da artista Dione Veiga Vieira, com a convocatória aberta a partir das seguintes indagações: Você se sente preso a uma instituição? Amarrado em tarefas infindáveis? Essa atividade aberta à participação, desenvolvida junto ao coletivo M.A.L.H.A. (Movimento Apaixonado pela Liberação de Humores Artísticos), interpela para manifestação. A corda no pescoço, não como metáfora, mas como objeto em si, re-apresentando os liames do poder, enrolando o corpo dos participantes aos blocos de granito de monumentos públicos. Servimos com os corpos, dando o espaço da nossa vida para manter um Estado. A liberdade dos que servem, sob tal aspecto, é questionável. Aqui, tratamos da servidão nos espaços onde ser livre torna-se problemático, a saber em instituições educacionais, especialmente na Universidade e na vida privada das mulheres. Ao modo de Foucault, o trabalho se detém no perigo dos empreendimentos não estatais, das associações não regulamentadas, dos relacionamentos ilícitos, da intimidade feminina e de escapes.

Palavras-chave: Estado, instituição, micropolítica, Foucault.

Referências:
Foucault, M. (2010). Estratégia, poder-saber. Coleção Ditos e escritos (v.4). Rio de Janeiro: Forense Universitária.