Privacidade em rede: a participação da Google e do Facebook na transformação de um conceito

#77

Alice C. Sampaio

O aumento significativo das possibilidades de extração, armazenamento e cruzamento de dados pessoais, a partir de um monitoramento contínuo e cada vez mais corriqueiro, que transforma diversas formas de comunicação em espaço de vigilância, é o contexto que a pesquisa pretende observar para analisar de forma mais detida a transformação do conceito de privacidade na contemporaneidade. A pesquisa tem como foco, portanto, o estudo do monitoramento direcionado ao uso cotidiano de algumas formas de comunicação, como serviços prestados pelas empresas Google e Facebook, e sua relação com a reconstrução do sentido de privacidade.
Descrever e analisar os contratos de privacidade e termos de serviço de diferentes serviços online (e-mail, armazenamento de dados, redes sociais), constituídos não apenas pelo ponto de vista dos seus criadores, mas de seus usuários. A abordagem teórica desta pesquisa resgata, dentre outras noções, a de controle desenvolvida por Gilles Deleuze, a de poder presente nos trabalhos de Michel Foucault, e os trabalhos sobre tecnologias de comunicação de Paul Virilio, além de outros autores contemporâneos.
Sites de serviços de comunicação, de aplicativos ou softwares possuem um conjunto de regras, normalmente descritas num termo de serviços ou contrato de privacidade. Para utilizar tais serviços ou aplicativos é necessário aceitar esses termos ou contratos. A pesquisa parte da hipótese que nesses serviços (considerados gratuitos), e que por meio desses termos e contratos constrói-se de fato o direito de armazenar e utilizar qualquer informação do usuário sem acordo ou compensação. Esse tipo de política de privacidade pode ser encontrado em diferentes sites e serviços oferecidos por empresas e softwares como Google, Facebook, Instagram, LinkedIn, Microsoft. As informações dos usuários funcionam como moeda em troca de serviços disseminados como gratuitos, e o tempo dedicado ao uso desses serviços, como sendo de diversão e lazer. Nesse sentido, os contratos e termos que aqui se quer analisar desestabilizam o sentido de privacidade que vigorava até então. Neste contexto, o uso da expressão “invasão de privacidade” assume novos contornos ao incluir práticas mercadológicas associadas à exploração de dados monitorados por empresas privadas. Não se trata de assumir um ponto de vista maniqueísta com relação seja a ideia de desestabilização da privacidade ou sua invasão, mas fazer emergir o que esse estado de coisas produz.
O arcabouço teórico que informa a presente pesquisa inclui inicialmente o debate sobre sociedade de controle em Gilles Deleuze, a noção de poder em Michel Foucault e a abordagem das tecnologias de comunicação em Paul Virilio.
Do ponto de vista empírico, as principais fontes de análise são, como dito anteriormente, os termos de serviço e contratos de privacidade disponibilizados por empresas como Google e Facebook.
Constata-se cada vez mais participação de grandes empresas (advindas da explosão tecnológica da internet) como Google, Facebook, entre outras, na extração de dados pessoais e na produção de marketing baseado no monitoramento cotidiano do uso de redes sociais, sites, e-mails e aplicativos.
O documentário “Terms and conditions may apply” (2013), traça a evolução dos termos de serviços das empresas de tecnologia, delineando como eles chegaram a obter maior alcance, a partir da criação do USA PATRIOT Act pelo governo dos Estados Unidos. O argumento geral presente no documentário é que o esforço de vigilância (em prol da segurança) do governo norte-americano criou (ou referendou e legitimou) as bases para uma nova forma de acesso, uso, e troca de dados de usuários e informações pessoais pelas empresas. “Terms and conditions may apply” expõe, portanto, o que corporações e governos podem monitorar dos indivíduos através de dados obtidos com o uso da internet e com a aceitação desses termos e políticas, ao mesmo tempo que argumenta um tipo de economia que foi alavancado pelo esforço de vigilância e segurança dos Estados Unidos.
O uso de informações por parte das supracitadas empresas, pode ser considerado ilimitado, no sentido que obedece poucas regras ou leis externas ao seu próprio universo. Em julho deste ano, por exemplo, foi divulgado um experimento realizado pelo Facebook a partir do acesso e manipulação dos dados de mais de 600 mil usuários. Neste experimento, o Facebook alterou intencionalmente e sem aviso prévio o “feed de notícias” dos usuários, para que contivessem predominantemente notícias positivas, para um grupo, e negativas para outro, visando apreender a alteração no estado de humor ou emocional de usuários expostos as informações assim apresentadas. A empresa defende-se afirmando que essa possibilidade de manipulação está descrita em seus termos de uso: “Quando os usuários se cadastram no Facebook, eles concordam que a informação pode ser usada para operações internas, incluindo a resolução de problemas, análise de dados, testes, pesquisa e melhoria dos serviços”.
De forma mais objetiva, o presente projeto justifica-se pela premência de um debate ampliado acerca desse estado de coisas no mundo atual e necessidade de pesquisas oriundas de várias áreas do saber que analisem seja esse contexto ou as implicações advindas dessas práticas e desses discursos.
O atual panorama se caracteriza pela aceitação indiscriminada e desinformada de políticas de privacidade e termos de serviços no universo online. A ineficiência, e em alguns casos, a ausência de regulamentação que garanta limites sobre esses monitoramentos tende a ser um risco aos usuários e podem assegurar a prevalência dos interesses dessas corporações. Diante disso, de acordo com o artigo “Maquinaria da privacidade” (Kanashiro et al., 2013) foram criados movimentos populares globais de resistência acerca do tema privacidade referente à espionagem digital. Uma ação coletiva movida contra a empresa Google em 2013, acusa a companhia de violar a privacidade ao apresentar anúncios semelhantes aos assuntos contidos em e-mails particulares. A empresa justificou a prática, alegando que “todos os usuários de e-mail devem necessariamente esperar que seus e-mails sejam sujeitos a processamento automático” (Rushe, 2013) e ainda, segundo Erich Schimidt presidente do conselho da empresa, “A política do Google é chegar bem perto da linha do inadmissível sem cruzá-la”. Para o Google, a prática da coleta de dados além de constar em seus termos de serviço, é feita por processamento automático, e por isso, não viola a privacidade de seus usuários.

Palavras-chave: privacidade, dados, tecnologias, Google, Facebook.